Vinte anos atrás, estive em Cannes pela primeira vez. O Brasil já fazia bonito no festival, mas era um evento para o pessoal de criação. O fato de a agência (DPZ) mandar uns caras do atendimento – eu entre eles – era inusitado. O tempo passou e o Cannes Lions mudou muito. Das quatro categorias, foi para 24. Das poucas palestras, passou a apresentar uma grade de conteúdo incomparável. De um clube restrito a criativos de profissão, atrai agora profissionais de diferentes áreas, inclusive clientes. Aliás, essa é a categoria que mais cresce em presença no festival (crescimento de quase 70% este ano).

Então, além de ser um evento de inspiração, celebração e reconhecimento, o festival agregou dois valores: networking e negócios e conhecimento. Mas uma coisa não muda: ninguém volta igual do Cannes Lions. Para aqueles que mergulham de verdade no festival, participam das palestras, fóruns e seminários; acompanham e analisam os cases vencedores e procuram interagir com participantes, oriundos de mais de 90 países, o festival é um evento realmente transformador.

A semana de imersão no mundo da criatividade e inovação substitui programas educacionais e horas de pesquisa no dia a dia de quem quer estar up-to-date no mercado em constante mutação de comunicação e marketing.

Para mim, o festival mudou muito, mas não mudou nada no efeito que provoca nas pessoas que dele participam. Não me refiro àquelas que ganham leões. Para esses, o Cannes Lions pode ser um divisor de águas da sua carreira. Refiro-me ao efeito de ter estado lá, da ansiedade em tentar ver tudo – e não conseguir. De trocar ideias com colegas em um ambiente único, cujo foco é criatividade e inovação nas suas mais diferentes formas. Uma semana de intensidade única. Mas o bom efeito começa a atuar mesmo dias depois do retorno de Cannes.

Quando a poeira da Croisette baixa e mergulhamos de volta no nosso complicado dia a dia, os insights começam a aparecer e a nos ajudar na concepção de novos planos e mesmo em ações isoladas de comunicação e marketing. É preciso um tempo para metabolizar tudo o que nossos olhos e ouvidos apreenderam ao longo dessa semana especial.

É preciso acompanhar os comentários e os detalhes de cobertura que os veículos presentes fazem para complementarmos nossa experiência e até entendermos alguns conceitos que passaram batidos no imenso mar de conteúdo do festival.

Esses days afters são muito importantes para a absorção total da dose cavalar a que somos submetidos dessa vitamina criativa. E tem também o zum-zum-zum paralelo que todo evento desse porte apresenta. Tem grupo de agências dizendo que vai dar um tempo no festival (caso da Publicis) e outro que recomenda mudanças importantes (caso da WPP).

Tem cliente que estranha a quantidade de cases de instituições de cunho puramente social ou comunitário que ganha prêmios, em detrimento de trabalhos de natureza mercadológica, de empresas. De fato, temos de encarar o Cannes Lions como um enorme e incomparável exercício de criatividade.

Não há dúvida de que há cases que lá estão com o objetivo primário de ganhar prêmios. Não foram necessariamente objetos de um briefing de um cliente para sua agência. Ao contrário, a ideia veio primeiro e o “cliente” (que às vezes é uma ONG) veio depois, apenas para viabilizar o case.

Alguns profissionais de empresas contratantes de serviços, presentes no festival, afirmaram que, se o júri tivesse mais gente de cliente do que de agência, os vencedores talvez fossem outros.

De fato, apesar de ter categorias voltadas especificamente para causas sociais (Lions for Good, Glass), vemos uma presença maciça de cases de ONGs no topo das premiações. Acho que o festival tem de analisar melhor essa situação, mas isso não invalida a força das ideias geradas nesses cases vencedores. É preciso ir a Cannes com olhos menos puristas.

Ganharão mais aqueles que encararem o festival como a “Meca” da criatividade, seja ela a serviço da venda de produtos e serviços ou do engajamento de pessoas a causas sociais. E o Cannes Lions 2018 já está no meu calendário.

Alexis Thuller Pagliarini é superintendente da Fenapro (Federação Nacional de Agências de Propaganda)