Há cerca de três décadas começou no marketing e na publicidade um movimento de valorização da fidelização dos consumidores, que teve grande ímpeto com o advento do digital e suas ferramentas, capazes de monitorar as relações de consumo, alavancar o cross-selling e outras atividades que já existiam, mas que ganharam maior operacionalidade.

Houve, em paralelo, um movimento de busca de precisão das ações mercadológicas e de comunicação, de modo a perseguir com maior intensidade o “santo graal” da eliminação dos desperdícios nessas áreas. Tudo isso foi necessário, teve e tem seus méritos, mas os limites foram ultrapassados e se minimizaram as atividades de conquista de novos consumidores, especialmente aqueles que fugiam do “core target” (o alvo principal) dos produtos, serviços e marcas. Esse erro ocorreu pela combinação de várias ilusões: de que as empresas sabem com grande precisão qual é o perfil de seus consumidores e seus prospects mais valiosos; que a regra dos 80/20 podia ser superada concentrando todos os esforços naqueles 20% do mercado que respondem por 80% dos negócios; e que se poderia cortar o investimento em publicidade que garante o “efeito halo” (o impacto sobre o entorno dos consumidores alvo, que exercem influência sobre eles).

Na prática, nada disso foi ou é possível. O perfil real dos consumidores de um determinado produto ou serviço não é assim tão preciso, salvo raríssimas exceções de ultranicho, e muito menos seus prospects (que antes disso são suspects).

Consequentemente, as estratégias de marketing e os briefings de comunicação não conseguem chegar a uma precisão que sustente o desenvolvimento de ações e campanhas com essa característica.

O segundo problema é que os tais 20% que produzem os 80% são móveis. Eles podem ser 15% ou 30% e podem desaparecer por uma ampla variedade de motivos, de razões econômicas à morte física de clientes, passando pela mudança de seu interesse e necessidades. Razão pela qual é preciso “alimentar” os 80% (ou 85% ou 70%) para eles entrarem no grupo dos 20. E como esse grupo maior e menos relevante para os negócios também não é estático, as marcas têm de “pescar” fora desse grupo, ou seja, transformar prospects em clientes e suspects em prospects.

Daí a relevância e a força da publicidade e das mídias de massa, que cumprem a tarefa de falar com o “núcleo duro” dos melhores clientes, com os públicos que os influenciam, com clientes menos relevantes e com pessoas que um dia podem passar a ser clientes – por razões de mudanças econômicas, de hábito de vida, necessidades, desejos e aspirações. É uma ótima maneira de manter essa dinâmica permanente do mercado.

Dois excelentes textos abordam esse tema e trazem expressivos exemplos. Um deles é uma publicação da IPA, a entidade dos publicitários e agências do Reino Unido, que se chama Equilibrando estratégias de marketing de curto e longo prazo. Nesse livro, fundamentado na análise de anos de campanhas publicitárias de grande sucesso, fica evidente que campanhas visando o longo prazo e um público mais amplo são mais efetivas de que aquelas focadas no curto prazo e num target mais definido.

O outro texto é recente e é o tema de capa da Harvard Business Review de janeiro/fevereiro de 2017. A partir da ideia de que “a lealdade do consumidor é ‘over’ valorizada”, A.G. Lafley, ex-CEO da Procter&Gamble, e Roger L. Martin, professor de Universidade de Toronto, desenvolvem o raciocínio a partir de dados concretos de mercado, que demonstram a importância do hábito e da “vantagem cumulativa” das marcas líderes, que sempre precisam estar se renovando e agregando novos consumidores para manter justamente sua vantagem.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)