Respiro, logo existo. 

Os olhos tentam se ater às coisas rápidas que se movem nas telas cada vez menores, que fazem os olhos e óculos se ajustarem. Os ouvidos invadem conversas alheias, o som das ruas se confunde com uma música nova do Arcade Fire. As pernas se movimentam em ciclovias novas e por calçadas descuidadas da maior metrópole da América Latina. Você tropeça, você levanta. O nariz coça com a fumaça do combustível fóssil ainda usado para locomover latas com rodas que produzem um som ensurdecedor de buzinas.

No Brasil, os carros são movidos a buzina. As mãos vão tateando algo para beber e comer e você não encontra. Você abre e fecha a porta da geladeira, repetidamente, para ver se algo aparece. Você acredita que ao abrir e fechar a porta da geladeira várias vezes fará surgir o que você não encontra. Você repete o movimento várias vezes e percebe que isso não muda nada. Uma sequência de notificações faz você parar o que está fazendo e deixando de fazer o que precisaria ser feito porque o WhatsApp da família o lembra que o dia está acabando e uma criança dentro de uma rosa sem nenhum rigor estético faz você sorrir.

Você para de sorrir e tenta lembrar o que estava fazendo e quando você lembra, a segunda mensagem chega com um pôr do sol com cara de fundo de tela de computador e faz você perder completamente a atenção. O que era mesmo que eu estava falando? A pessoa que está sentada na sua frente numa sala de espera espirra e você fica com medo de ser contaminado. O seu filho de 11 anos olha para você, tira os fones dos ouvidos, deixa de ouvir o que o youtuber diz no tablet e sentencia: você está velho, né? Seus amigos de décadas resolvem se reunir e falam das mesmas coisas que você os ouvia falar quando ainda tinham cabelos e não tinham barbas brancas. Sua mulher te convence a fazer mais exames médicos, que o cigarro e o vinho não devem ser considerados um esporte diário. Você se sente um completo idiota ouvindo mensagens de telemarketing no sábado de manhã te empurrando algo que você não precisa. 

Algumas bombas caem na Síria enquanto você dá likes em fotos preto e brancas de velhinhos atravessando uma rua chuvosa de Roma. Você precisa escrever um texto sobre inspiração e descobre que nenhuma inspiração vem porque o Facebook tira a sua concentração. Você ouve sistematicamente as palavras inovação, disruptura, engajamento e métricas. E todos aqueles que falam em inovação, disruptura, engajamento e métricas usam essa retórica enquanto continuam fazendo absolutamente tudo igual ao que seus avós faziam.

Você tem esperança que o mundo vai evoluir até ver alguém abrir a janela do carro e jogar o papel na rua. Você vê pessoas fazendo piadas sexistas que depois postam uma campanha sobre diversidade. Você se dá conta que transformaram a comunicação numa ciência exata. Você observa pessoas defendendo seus candidatos e descobre que nenhum deles é defensável. Você tem um pôster com Mais Amor em SP e nunca fez um trabalho voluntário. Você afirma que é importante pensar diferente e se pergunta o que você vem fazendo de diferente. Você é desafiado e, aliás, como você é desafiado num país que se esforça a andar para trás todos os dias, perde o desafio. Você vê pessoas dormindo nas ruas e se acostuma com isso, como se fossem parte da paisagem.

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Você vai para Cannes e Austin e volta decidido a transformar tudo, mas desiste depois do primeiro job. Você dorme, você sonha, você acorda. Você respira. Você está vivo.

Zico Farina é diretor de criação da Artplan São Paulo