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Quem me conhece sabe o tamanho da ligação musical e espiritual que tenho com a Bahia. Quando fui convidado para escrever nesta coluna sobre inspiração, logo pensei: chegou a hora de retribuir um pouco do que a Bahia já fez por mim. 

Pensar que a Bahia é logo ali é, sem dúvida, uma válvula de escape. Desligar do trabalho e viver intensamente tudo o que não é trabalho é o melhor que você pode fazer pelo seu trabalho. Isso, sim, é inspiração de verdade. Mais que inspiração, é renovação.

Mas, para não generalizar, vou falar de um lugar específico da Bahia, que considero a minha segunda maior fonte de inspiração no mundo: Caraíva.

Confesso que, antes de conhecer Caraíva pessoalmente, eu tinha uma certa raiva. Porque todo mundo que ia para lá voltava fascinado, só falava nisso. Eu pensava: não é possível que seja tudo isso. Até ir pela primeira vez.

Caraíva fica no sul da Bahia e, para chegar lá, você precisa atravessar de canoa o Rio Caraíva, uma travessia de cinco minutos que te faz se sentir em Veneza. Mas aí você se lembra que, na verdade, é Caraíva, e Caraíva é muito melhor que Veneza. Até porque Veneza é Itália, e Caraíva… Caraíva é Brasil, porra!

Andando por lá, você descobre que tem rio e tem mar, também. E, em determinado local, o rio e o mar se encontram. Vou repetir: o rio e o mar se encontram. Isso é um caso sério. Nessa hora, puxe sua cadeirinha de praia – ou melhor, de rio – peça o peixe do dia na barraca do Zé Raimundo e aprecie sem moderação.

Mas ‘pera’, deixe um espaço no estômago: você precisa provar o pastel de arraia do Boteco do Pará. Não é só um pastel de arraia: é ‘O pastel de arraia’. E é cremoso. E é de arraia.

Para a sobremesa, procure o Canto da Duca. Prove o doce Nega Maluca. E, por favor, converse com a Duca. Você vai sair de lá mais sábio e mais simples. Preciso falar também sobre a bebida local, o Netuno. Uma bebida à base de gengibre que, inexplicavelmente, te faz sair rodopiando pela pista de forró (e acordar no dia seguinte com a voz do Cid Moreira).

Por falar em forró, lá tem dois: o Forró do Pelé e o Forró do Ouriço. Dois estabelecimentos distintos que, apesar de concorrentes, não rivalizam e, sim, revezam: quando um abre, o outro fecha. Tudo o que o capitalismo poderia ser, e nada do que ele é.

Tudo isso ocorre o ano todo. Mas se você for na alta temporada – que infelizmente é inflacionada – tem uma valiosíssima recompensa musical.

Tem uma banda incrível por lá, composta por músicos talentosíssimos, chamada Caraivana. Tocam um pouco de tudo que existe de melhor: Noel, Dorival, Chico, Gil, Caetano, Cartola etc. E ainda têm ótimas canções autorais. Aliás, faça um favor a si mesmo e ouça Nunca me acostumo com a beleza do mar, de autoria deles. Tem no Spotify. Repare que o nome da música já é, por si só, uma filosofia de vida.

Todo ano tem também a maravilhosa Mariana Aydar, que ainda recebe convidados pra lá de especiais para dividir o palco. Aliás, faça outro favor a você e escute Te faço um cafuné, do mestre Dominguinhos, na voz da Mariana. Depois você me agradece.

E, quando parece que não há mais o que admirar, anoitece. Aí a coisa fica séria. Porque o céu de Caraíva é daquelas coisas que só a Bahia tem, e não sou eu quem vai se atrever a descrevê-lo. Fico devendo.

Mas, como disse, Caraíva é só a minha segunda maior fonte de inspiração. A primeira está numa cidadezinha do interior de São Paulo, a minha Porto Feliz. Lá tem duas preciosidades que a Bahia não tem: a dona Rosa e o seu Noé. E, para falar sobre eles, eu precisaria de muito mais que esses 3.600 caracteres que me deram. Fica para a próxima.

Chico Veron é redator da WMcCann