Estive em Cannes uma única vez, em 1999, pela DDB Argentina. Ainda era, digamos, um festival de filmes publicitários. Sim, aquele que me fascinava no início dos anos 1980, quando comecei na DPZ.

Nunca vou esquecer da manhã em que o Washington chegou do aeroporto num carrão preto, escoltado por motos oficiais, além de duas pilotadas por loiras esculturais vestidas de cinza-metálico. E o foguetório… Quando fui a Cannes, desde Buenos Aires, quase 20 anos depois, o festival ainda tinha um pouco dessa aura de festa criativa, romântico-artística, em que ganhar um Leão de bronze fazia com que nos sentíssemos nas nuvens. Chegar em casa com um Leão de ouro, então, era digno de uma recepção de heróis.

Havia um solene respeito pelo prêmio. Tínhamos certeza absoluta de que por trás daquele troféu havia uma peça muito acima da média. Mesmo que fosse fantasma, mesmo que fosse de alguém que, por esperteza, tivesse se hospedado no mesmo hotel do júri.

Aliás, eram esses os grandes “pecados” que se cometia na época: driblar a necessidade da peça ter sido veiculada e fazer “coincidir” um encontro com o presidente do júri no café da manhã ou no happy-hour e chamar a atenção dele para um bom trabalho.

Tudo para fazer reconhecida a qualidade criativa da propaganda brasileira. Que, é bom lembrar, operava com verbas menores e uma capacidade técnica de produção inferior, se superando nas ideias. Foi com a determinação desses pioneiros e suas artimanhas que conseguimos nos alinhar aos três países mais premiados do mundo. Um verdadeiro milagre. Com o tempo, porém, tudo isso foi desaparecendo. E Cannes se tornando descaradamente mercantilista, multiplicando categorias e distribuindo Leões aos quatro ventos.

Para as agências, passou a importar mais a quantidade de prêmios do que o merecimento de cada um. E a empolgação com os releases superou o encanto pelos roteiros. O Leão deixou de ser de cada profissional para compor a soma que a agência estabeleceu como meta. Afinal, o que é o Leão de ouro em filme do Zezinho na categoria automóveis perto do 70 Leões em inúmeras outras categorias da agência x?

Para o negócio de Cannes, essa disputa por quantidade de Leões entre pessoas jurídicas foi maravilhosa. Bastava abrir mais categorias, disponibilizando Leões em escala industrial, que a grana vinha fácil. Agora, no entanto, vendo chefões do nosso negócio tirando o time, está me parecendo que o truque se esgotou. É verdade que, farejando que o patronato internacional não estaria mais disposto a bancar essa corrida desenfreada, os proprietários do festival tentaram remendar o conceito com uma proposta tipo “aqui se desenha o futuro”. Chegaram tarde.

O SXSW, nascido em 1987, quando recebeu 700 pessoas, é hoje o mais importante evento de criatividade e inovação do mundo, com 88 mil inscritos no ano passado. Arthur Sadoun e Martin Sorrell são bons de números e não gostam de dar boa vida a outros negociantes. Já sacaram que com menos dinheiro conseguem levar o seu povo para eventos mais úteis aos seus negócios.