Em meado dos anos 1980, quando a criação conquistava certo status mitológico, uma palavrinha entrou em voga: pertinência. Era a reação de uma parcela de criativos, questionando a aura de genialidade conquistada por certos profissionais que buscavam apenas “o brilho pelo brilho”. Tempos românticos em que briefings e prazos se curvavam ao argumento inapelável das condições ideais para um trabalho de qualidade.

Quem trabalhava nas grandes multinacionais sentia-se tolhido pelas regras importadas, mas que sempre eram justificadas pelo boss de plantão, em defesa de padrões aprovados nas matrizes. Nas boas agências brasileiras, a busca era pelo impacto, pela emoção, pelo humor, pela glória, pela fama… Vivia-se um estado de euforia permanente, incluindo o marketing dos clientes.

Uma reunião de apresentação de campanha era um intervalo de prazer e diversão para os executivos. Por conta disso, os contrastes entre os resultados gerados por agências multinacionais e nacionais eram evidentes. Você batia o olho num anúncio e sabia se ele era produto da “burocracia” ou da “liberdade”. Foi então que se levantou a bandeira da pertinência, como um chamado à consciência. Muito se discutiu, me lembro bem.

Nós, os “nacionais”, acusávamos nossos colegas “multinacionais” de estarem à caça de uma justificativa para a mediocridade gerada em suas limitações funcionais. Assim como éramos acusados de irresponsáveis, por colocarmos a nossa busca pessoal por prêmios e reconhecimento acima dos interesses dos clientes.
Em que pesem os exageros, de um lado e de outro, o debate foi muito importante para o amadurecimento profissional de uma geração de criativos. É verdade que alguns deles se protegeram no conceito para continuarem estáveis na sua “opacidade”, mas para outros, mais talentosos, serviu de ajuste de suas lentes, levando a uma caminhada vitoriosa para o futuro.

Hoje nos deparamos com outra palavrinha datada: relevância.

Se pertinência tratava da forma, relevância questiona o conteúdo. Um tema delicado, que pede serenidade para uma reflexão sadia. Por mais que se possa avaliar o argumento como um meio de enfraquecer-nos nas negociações, é preciso estar aberto para uma autocrítica. E ela, certamente, passa pela consciência de que, por circunstâncias que cada um compreenderá as suas, com o tempo as agências foram se convertendo de “arquitetos” em “pedreiros”.

E o avanço da tecnologia aposentou a “pazinha”. Mas a cabeça continua imprescindível. Quem só tem “pazinha” e não tem cabeça perdeu a relevância. Nos anos 1980, a busca das agências era a de serem percebidas como centros de excelência criativa. Uma definição em voga na época para uma necessidade que permanece tão viva hoje.

Perdeu o bonde da história quem acreditou que isso mudou. Pode ter mudado a nomenclatura, mas a essência é exatamente a mesma. Portanto, ou as agências se recompõem como núcleos de inteligência, com ênfase na criatividade, ou suas estruturas se caracterizarão apenas pela precariedade inútil ou pelo excesso inócuo.

Relevantes serão sempre as ideias.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)