Não está fácil para ninguém. O mercado de audiovisual teve uma queda de 16,5% de negócios em 2015 com um volume de 17,144 mil filmes realizados, segundo dados da Ancine (Agência Nacional de Cinema). Mas, além do desempenho da economia, responsável pela subtração de comerciais, as produtoras estão enfrentando o dilema dos prazos de pagamentos que vêm sendo esticados em até 210 dias por alguns anunciantes.

Divulgação

De acordo com Paulo Schmidt, presidente da Apro (Associação Brasileira da Produção de Obras de Audiovisual), o procedimento está acarretando problemas estruturais que estão comprometendo a saúde financeira das produtoras, que estão tendo de antecipar pró-labores para os profissionais técnicos arregimentados em caráter freelance que, segundo a Lei 6.533, devem receber em um prazo de cinco dias. Essa cadeia, nas palavras de Schmidt, tem um impacto de 40% no orçamento de um filme.

Além de mais dilatados, há inadimplência e pedidos para postergar os prazos já negociados. “Há uma imposição de poder econômico. Somos uma parte menor do elo com os anunciantes. Ficamos com apenas 0,5% dos orçamentos de marketing das marcas. Não temos capital de giro para bancar até sete meses de espera para receber uma fatura, afinal as produtoras não são bancos”, explica Schmidt.
Outro problema identificado pela Apro, apesar dos pedidos para pagamentos no futuro, é a impossibilidade de trabalhar com títulos que poderiam ser descontados em bancos mesmo com os juros de 3,2%. Cobrar juros pelo prazo concedido, nem pensar? As produtoras também têm prazo legal para recolher os impostos de cada operação.

“A impossibilidade de negociar a venda de títulos fica registrada em contrato”, relata o presidente da Apro. “Também há atrasos para a emissão da nota fiscal, que implica em aproximadamente 30 dias de negociação, gerando mais desgaste na relação”, acrescenta.

A Apro tem feito gestões com a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), mas não tem apoio dos pleitos. “Prazos de pagamento são questões comerciais livremente negociadas pelas partes, razão pela qual a ABA não pode – nem deve – intervir”, ponderou Sandra Martinelli, presidente-executiva da corporativas das empresas anunciantes. “A ABA entende, mas indica que temos de tratar diretamente com os anunciantes”, diz Schmidt. “As agências de publicidade passaram a ser reconhecidas pelo seu trabalho de criação e mídia. Os anunciantes negociam diretamente com as produtoras e ditam as regras do jogo. E isso não tem nada a ver com as áreas de procurement, mas com os gestores de marketing”, disse.

CONSULTA
A Apro já fez uma consulta ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) sobre a prática, mas ouviu da autoridade antitruste brasileira que não é de praxe intervir nas relações comerciais das empresas e seus fornecedores. “Mas a entidade pode acatar uma denúncia comprovada sobre abuso de poder econômico”, pontuou Schmidt.

Por enquanto, a Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade) prefere não interferir no imbróglio que mereceu semana passada reuniões da Apro com o Sated (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões de São Paulo) e o Sindicine (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual). O objetivo das reuniões foi definir uma estratégia para minimizar o problema. “Temos de cobrir esses custos, mas a carga é pesada”, diz Schmidt.

Orlando Marques, presidente da Abap, se posicionou: “Os clientes não podem trabalhar com dinheiro das agências e produtoras; isso não é justo. Os pagamentos dos clientes aos seus fornecedores de serviços de comunicação deveriam ter um caixa neutro para que não houvesse interferência negativa nas suas respectivas contabilidades. Nem a agência nem a produtora têm de financiar o cliente, repito. Um prazo de 120 dias já era considerado um absurdo, mas 210 dias, como se comenta no mercado, é inadmissível. Determinar o prazo é abuso de poder econômico”.

Extraoficialmente, a AmBev é o anunciante que estaria pedindo prazo de 210 dias para quitar débitos com suas produtoras. A empresa de bebidas não tem pool de produtoras, mas trabalha regularmente com Paranoid, Stink e Pródigo Filmes. Através da sua assessoria, a empresa respondeu: “A Ambev trabalha de forma transparente e preza pelo bom relacionamento com todos os seus stakeholders. Os termos de pagamento aos seus fornecedores são definidos em negociação comercial de comum acordo entre as partes. Neste processo, a cervejaria pede aos parceiros em potencial que enviem informações detalhadas a respeito dos serviços oferecidos para que seja possível avaliar de maneira adequada as propostas recebidas. Os contratos entre a companhia e seus fornecedores seguem sempre regras predeterminadas, que estabelecem critérios claros e objetivos. A Ambev busca sempre construir parcerias sustentáveis e de longo prazo com seus fornecedores.”

A Apro fez um levantamento que monitora esse tipo de engenharia financeira. Um estudo da ANA (Associação Americana de Anunciantes) mostra “que ao menos 42% das empresas pesquisadas tinham a intenção de adotar uma política de prazos de pagamentos mais extensos para seus fornecedores de marketing e publicidade”.

A intenção da Apro, com anuência da Abap, é que produções só tenham início “após recebimento da autorização de faturamento e da carta de orçamento assinada”. Em relação às cópias de veiculação, “não serão entregues sem emissão da fatura da parcela final”. Sobre prazo, a Apro recomenda que as produtoras exijam 60% do orçamento em 15 dias “da data de aprovação”. Só assim o job será considerado para seguir adiante.