Uma aula de branding está sendo dada neste momento. Não por acadêmicos ou especialistas em gestão de marcas, mas por uma senhora de 60 anos. “Madame X” é a lição da vez, ministrada por uma “professora” pouco ortodoxa e muito estrategista. O nome batiza o 14º álbum de estúdio da boa, velha e icônica Madonna, que começou a ser divulgado nas plataformas digitais nesta semana, mas cujo lançamento mundial vai acontecer apenas no dia 14 de junho.

A cantora soltou nesta quarta-feira (17) o primeiro single do novo projeto, “Medellín”, uma “feat.” com o astro colombiano Maluma, natural da mesma cidade que nomeia a canção. Produzido por Mirwais, “Madame X” celebra a carreira de mais de três décadas de Madonna, uma das mais longevas e consistentes da indústria do entretenimento. O álbum apodera-se da música e da cultura latinas, assim como de outras influências mundiais. E eis aí a sua primeira lição: apropriação.

É impossível olhar para a capa principal da mais recente obra de Madonna, divulgada ostensivamente nas mídias sociais, e não perceber as referências a Frida Kahlo, de quem a cantora é admiradora declarada. Trechos do best-seller “Roube Como Um Artista. 10 Dicas Sobre Criatividade” (Editora Rocco), assinado pelo designer e escritor Austin Kleon, são bem pertinentes aqui: “nada é original, portanto entregue-se à influência. Eduque-se através do trabalho dos outros. Siga seus interesses para onde quer que eles possam levá-lo”, aconselha o autor na obra, que é um “manifesto ilustrado sobre como ser criativo na era digital”, segundo o próprio Kleon.

Grande parte do que faz de Madonna uma lenda é, justamente, a habilidade de se reinventar a partir de referências dos outros. O objetivo? Manter a própria relevância. “Sua longevidade comercial obedece à compreensão da necessidade de novidades audiovisuais no pop e, por conseguinte, ao seu fino olfato para reciclar achados (relativamente) ‘underground’, aptos a potencializar uma proposta que aspira a ser ‘mainstream’, para todos os públicos. Desde seu início, Madonna foi acusada de vampirizar o talento alheio. Uma obviedade: o uso de colaboradores é seu ‘modus operandi’”, entrega Diego A. Manrique, jornalista do El País.

“Assim como fez antes com Justin Timberlake (em ‘4 Minutes’) e Nicki Minaj (em ‘Give Me All Your Luvin’ e ‘Bitch I’m Madonna’), nos últimos anos Madonna tem recorrido às parcerias para alcançar um público mais jovem. Consciente de que a maioria de seus fãs, bem mais crescida, sempre será fiel a ela, essa é uma estratégia planejada para causar impacto naqueles que não estão familiarizados com sua carreira pós-‘Hung Up’. Seguindo os passos de Beyoncé em ‘Mi Gente’ (em parceira com J Balvin) e de Janet Jackson em ‘Made for Now’ (com Daddy Yankee), Madonna busca, com ‘Medellín’, ganhar a aprovação do mercado latino”, avalia Sérgio del Amo, também do El País.

“Maluma tem 40,7 milhões de seguidores no Instagram, enquanto ela, apesar de estar há mais de três décadas sentada no trono do pop, tem apenas 13,4 milhões. Além disso, Anitta também estará presente no álbum Madame X. A brasileira tem 37 milhões de seguidores no Instagram, por isso ninguém deve se surpreender por Madonna ter recrutado não só um, mas os dois cantores latinos de maior sucesso e com o maior número de seguidores em 2019. Madonna jamais dá ponto sem nó”, sacramenta del Amo.

A rainha do pop, de fato, não brinca em serviço e ataca em várias frentes. “Todos se lembram dos diversos tipos visuais que ela apresentou ao longo do tempo, mas o que poucos sabem é que Madonna se dedica de forma estratégica e com afinco para projetar uma nova imagem junto com cada novo trabalho. A maneira como transforma a percepção que as pessoas têm dela nada mais é que uma genial jogada de marketing”, resume Martin Lindstrom no excelente “Brandwashed – o Lado Oculto do Marketing” (HSM Editora).

Segundo o badalado especialista em branding dinamarquês: “para cada novo trabalho, Madonna reúne imagens de revistas, ilustrações e reportagens sobre tendências culturais mais ousadas do momento e projetadas para o futuro. Há rumores de que ela e sua equipe de criação se dedicam a criar um personagem, que pauta desde a capa do CD ao figurino, passando pelo ritmo das músicas. É assim que a cantora consegue se manter como marca forte e ao mesmo tempo culturalmente relevante, em geral um passo à frente do restante”, detalha Lindstrom.

Madonna criou uma mitologia em torno de si mesma: hora rebelde, hora mulher fatal inspirada nos ícones que vieram antes dela, como Jean Harlow e Marilyn Monroe. Sua marca pessoal sempre foi sobre transformação, um espelho da própria jornada do através da cultura pop. Inspirou o público e uma dinastia de outros artistas, mas evoluiu com o tempo.

Muitos argumentam que ela se tornou uma paródia do seu antigo eu. Alegam que Madonna está pegando carona nas carreiras de artistas do momento por meio de colaborações pouco interessantes, esquecendo as suas próprias raízes e se rebaixando. Dizem que ela se recusa a pendurar as meias arrastão, os sutiãs de cone e assumir o papel de uma mulher de 60 anos, enquanto ainda a criticam por suas cirurgias plásticas e por se vestir como uma “stripper da terceira idade”. Em uma era que celebra o ódio, a apatia e a mediocridade, essas atitudes tornam Madonna ainda mais lendária.

“Não importa quem você é; não importa o que você fez; não importa de onde você veio: você sempre pode mudar, se tornar uma versão melhor de si mesmo”.

A mestra Madame X, que não dá mesmo ponto sem nó, sabe, mais uma vez, o que está fazendo.

Higor Gonçalves é jornalista com alma de relações públicas. Formado em jornalismo e pós-graduado em comunicação mercadológica e marketing do consumo, é especialista em assessoria de comunicação e possui MBA em Gestão Estratégica de Marketing. Atua há mais de dez anos nas áreas de marketing e comunicação corporativa.