Outro dia, num fim de semana em que por acaso me encontrava em Salvador, na Bahia, ouvi comentaristas de uma rádio criticarem uma cantora muito popular por lá que teria “enganado” as pessoas ao anunciar que abandonaria o seu sobrenome, para depois revelar que se tratava de uma brincadeira vinculada à estratégia de marketing de um laboratório. Sem qualquer juízo de valor à estratégia, revelo aqui o que era: Claudia Leitte disse aos fãs que mudaria seu nome artístico, e depois revelou que não precisaria “tirar o leite”, ação publicitária do medicamento Perlatte, da Eurofarma, destinado a pessoas com intolerância a lactose. Na hora, me lembro de pensar: nossa, mas que gente chata, que mania de reclamar de tudo. Mas tenho um vício – talvez comum a jornalistas, não sei – de tentar enxergar fatos por diferentes ângulos – algo útil e interessante, posso garantir, para quem gostaria de tentar.

Lembrei-me do enterro do Bentley; Neymar anunciando que ia virar cantor, em ação de Snickers; e outras tantas estratégias que simulam realidades. E até de uma peça de teatro que assisti outro dia em que a atriz fingiu que esqueceu o texto logo no começo e me fez passar o resto do tempo num estranho e desconcertante limiar entre o que parecia interpretação de fato e o que poderia ser improviso no esquecimento. Simplesmente não dava mais para acreditar nela.

Minha dúvida era a seguinte, tentando usar um pouco da perspectiva de quem reclamou por ter sido “enganado”: na era da trolagem e das notícias falsas, a publicidade que se vale de pegadinhas assim estaria simplesmente captando o “espírito do tempo” de forma bem-humorada ou há algum limite ético nessa história?

Assuntei por aí, especialmente com gente que, ao contrário da mim, transita pelos intestinos desse business cada vez mais complexo chamado propaganda. Fábio Seidl, experiente criativo no meio digital, disse que os resmungões acabam colaborando para o sucesso de campanhas assim, gerando discussões e chamando a atenção para as marcas. Resmungos estariam sempre previstos no pacote. A muitos parece natural a convergência entre espetáculo e propaganda envolvendo celebridades, cujo dia a dia, como bem me lembrou o Abel Reis, é mesmo “quase de verdade”.

O criativo Fernando Campos (autor da ação da Claudia Leitte) acha que o esporte preferido do mundo atual é a problematização. Enquanto isso, seu cliente está feliz com os resultados da campanha. Verdade, muitas vezes procuramos pelo em ovo. Mas por outro lado, se nunca refletirmos sobre o que fazemos, o que nos tornamos?

Preciso confessar que, de conversa em conversa, cheguei ao bom e velho “caminho do meio”. Para muitas pessoas, quando uma marca lhe conta uma história e depois fala que era tudo mentirinha, em nome de uma vantagem comercial, isso se torna frustrante. Se a mentirinha, por outro lado, for contada por um motivo um pouco mais nobre ou interessante – como foi o caso do Chiquinho Scarpa e seu Enterro do Bentley –, talvez a frustração nem exista e o efeito seja outro, o de uma grata surpresa. “É mais fácil ficar reclamando de que está tudo uma chatice do que parar, refletir, entender o que realmente importa para as pessoas. Fazer isso dá mais trabalho”, me chamou a atenção outro criativo, o Carlão Fonseca.

Correndo o risco de engrossar o coro dos chatos ou de soar como existencialista obcecada por sentido, tendo a simpatizar bem mais com a busca de um propósito nas ações das marcas, deixando o humor puro e simples para os humoristas. Porque marcas vendem produtos e serviços no mundo, não estão aqui a passeio. A busca pelo equilíbrio na mensagem, essa medida tênue, é, afinal de contas, o que separa o joio do trigo, o simplório do memorável.