O canal Futura completa 20 anos este mês e, ao longo desse tempo, João Alegria passou de colaborador externo, como roteirista e diretor, a funcionário a partir de 2005 e finalmente chegou a diretor-geral, em janeiro deste ano. A transição de comando acompanhou o reposicionamento do canal – criado pela Fundação Roberto Marinho e com mantenedores como Grupo Votorantim, Sistema Firjan, Rede Globo e Itaú Social -, que deixou para trás sua origem analógica e adotou uma matriz digital contemporânea. Nesta entrevista, Alegria fala dos planos do canal e seu foco em jovens e educadores brasileiros na era digital. Para ele, o momento de crise do sistema escolar é uma grande oportunidade.

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Educação é um tema desafiador no Brasil, e está tendo seus modelos muito discutidos mundialmente. Isso para vocês é uma oportunidade?
Nunca foi tão oportuno existir o Futura. Nesse momento, a educação oferecida no sistema escolar, no Brasil e no mundo, está em um momento limite de crise, não faz mais sentido, não desperta atratividade para seu público principal. E nos novos desenhos educacionais, que vão se formando como tendências que venham a substituir a escola, o que o Futura já faz entra perfeitamente. O que precisamos fazer é ajustar algumas coisas, agora no cenário digital, para estar totalmente inseridos no movimento de transformação da educação – mais do que já estivemos em qualquer outro momento da nossa história. Sempre soubemos que o professor não precisa de um parceiro de mídia que fique se dedicando a dizer para ele qual é o conteúdo com o qual ele já trabalha. O educador não busca no Futura uma aula de matemática e sim algo que relacione a matemática com a vida, questões transversais da educação que estão na experiência de vida do aluno na sala de aula, um pensamento sobre como fazer diferente o que ele já sabe fazer. Por isso houve aumento de adesão de professores ao conteúdo do Futura.

Como foi se transformando a proposta do Futura?
O Futura começou com uma proposta de ‘educação para a vida’ muito ampliada, porque surgiu no mesmo contexto da TV Escola, do MEC, no mesmo ano. De início, o Futura se voltou para toda a família: para a vida, para o mundo do trabalho, para o empreendedorismo e para a saúde, numa concepção bem generalista. Com o passar do tempo, principalmente a partir do ano passado, fizemos uma escolha de segmentação de público muito clara: educadores e ‘juventudes’. Não temos mais programação infantil.

Quem é essa juventude?
Um conceito ampliado de juventude, de 16 a 29 anos, pegando até um pouco abaixo, mas como adesão e não foco. Há uma concentração de público no Futura de 16 a 40 anos. Começamos a descobrir a presença dos educadores no perfil demográfico e passamos a fazer pesquisas em separado, para entender que educadores eram esses. Hoje, este é um público importante do Futura, que chega a 86% dos educadores brasileiros que atuam profissionalmente em educação (no sistema educacional brasileiro público e privado). Hoje, 100% dos educadores conhecem o Futura e 86% assistem. Segundo o senso do MEC, pouco mais de 2 milhões de educadores têm hábito de ver o Futura. Na última pesquisa, separamos professores universitários que trabalham com pedagogia e licenciatura, e descobrimos que temos cerca de 150 profissionais com esse perfil assistindo regularmente o canal. É um público bem especial, que em sala de aula pode sugerir o Futura para quem está fazendo licenciatura. Temos, pelo quarto ano consecutivo, um plano estratégico interno com metas de relacionamento com esse segmento de educadores. É um trabalho que faz parte de um conjunto de metas, que vem fazendo com que a cada ano nossa audiência junto a esse público aumente via produção de conteúdo, relacionamento, engajamento em redes sociais e publicidade.

Conte um pouco da transformação do Futura do analógico para o digital.
O Futura é do tempo em que ‘ter um meio de comunicação’ resolvia. Atualmente temos outra experiência de vida, multicast, todo mundo produzindo e distribuindo conteúdo. Talvez o mais recente exemplo sejam os canais de educação de professores na internet. Os gigantes de distribuição de conteúdo têm aberto espaços em que pessoas comuns atuam como produtores e distribuidores de conteúdo.

O fenômeno é muito forte no segmento de educação?
Tem crescido muito. No espaço da educação, creio que podemos dizer que desde os anos 1990 já se formava muito fortemente, por parte dos estudantes, um hábito de buscar conteúdo educativo em alternativas diferentes da sala de aula – para suprir deficiências da sala de aula, ou para aprender algo que não lhe havia sido oferecido como conhecimento. Uma pesquisadora francesa chamada Geneviève Jacquinot, em meados dos anos 1990, já identificava que nas escolas da França o maior percentual de conhecimento detido pelos alunos do ensino fundamental não vinha da sala de aula, mas de outros espaços. Naquela época se falava da televisão, revistas e outras fontes. Há muito tempo o estudante forma o hábito de buscar conhecimento fora do ‘espaço oficial’.

A qualidade desses conteúdos é boa?
Há muitas coisas de qualidade. No YouTube, por exemplo, há uma quantidade grande de professores que resolveram gravar e publicar videoaulas. E há plataformas do tipo Geek e Descomplica, que ajudaram a popularizar o professor que tem talento para aparecer na tela. São professores de cursinho, do ensino médio, do fundamental regular ou que nem estão nas salas de aula. Isso se junta à Khan Academy e ao Coursera, num grande movimento global de busca de conhecimento em nuvem. Se você for olhar hoje para escola e inovação, talvez a tendência mais forte seja a externalização da educação com apoio de conteúdo disponível online. As próprias escolas hoje, quando buscam se renovar, já reconhecem que o conteúdo disponível é bacana, pode ser buscado e, mais do que isso, o que pode ser buscado não é só o que o professor decide ou a família indica. Hoje existe uma tranquilidade ‘média’ de que o estudante vai aprendendo a buscar o conteúdo que precisa. Na educação, há muitos entrantes.

Seriam concorrentes?
Sim ou indicam, no mínimo, que você precisa ter uma noção muito clara do seu espaço de atuação. Por exemplo: no Brasil um entrante importante é o Instituto Unibanco, que se dedica à educação de jovens, principalmente no ensino médio. Se você for consultar o material do Instituto Unibanco, o boletim Educação em Foco é excelente. É um produto disponível online, de excelente qualidade, voltado principalmente para a comunidade educadora: professores, gestores, pais, pessoas que se interessam por educação. Isso está bem próximo do Futura, mas o que queremos é ser a multiplataforma de divulgação desse conteúdo.

O Instituto Unibanco é um dos apoiadores do canal, certo?
Já fizemos projetos juntos, sim, e hoje os mantenedores do Futura são principalmente grandes agentes corporativos – Itaú, Bradesco, Votorantim, Fiesp e CNI – que chegam a nós através de seus institutos e fundações. Estamos, inclusive, abrindo espaço para mais mantenedores, porque entramos em um movimento de expansão e incremento de ações. Temos espaço. No ano passado, criamos com os mantenedores um conselho inspirador, com os quais fazemos um brainstorming, com a partipação provocadora de pessoas de fora, para discutir possibilidades, oportunidades, linhas de trabalho.

Esse espaço se abriu a partir do processo de digitalização?
Sim. Na virada deste ano já estávamos totalmente digitais, com novos processos de produção, distribuição. Tivemos de criar o futuraplay.org, nossa plataforma de consumo on demand, refizemos o site, apagamos nossa distribuição analógica, saímos da radiodifusão, ficamos só com sinal HD por satélite, com as TVs por assinatura. É um pensamento digital.

Você liderou o processo?
Isso fez parte do meu processo de transição, uma das minhas tarefas foi exatamente aprimorar e detalhar o modelo digital para o Futura, e fazer com que fosse implantado e começasse a funcionar bem. Grande parte da equipe está no Futura há muito tempo, conhece muito bem o canal e tinha uma ansiedade digital, um desejo de ser mais digital. Buscamos um jeito de sermos diferentes no digital.

E o que é ser diferente no digital?
Temos um conselho de educadores com mais de oito mil integrantes do Brasil inteiro, que funciona no Facebook. É um grupo fechado de professores. Trouxemos essas pessoas para perto, discutimos com elas, submetemos os produtos à sua avaliação, acatamos sugestões, projetos, fazemos coisas. Um dos caras que está na nossa campanha atual, o Ney Mello, é um professor de escola pública de 30 e poucos anos no Rio de Janeiro que descobriu nosso conselho e passou a fazer parte, deu ideias, criou produtos conosco e está sempre atuante. A campanha diz ‘O Ney Mello está online, o Futura está online e o Ney Mello está no Futura’.

E o jovem, o que encontra no Futura?
Mais do que o professor, ele é um importantíssimo agente de produção de conteúdo. O jovem tem de participar das decisões que envolvem a sua vida. Fazemos uma opção radical por isso. A tela do Futura é um lugar em que o jovem se coloca simbolicamente, tem uma vasta expressão de múltiplas identidades com as quais ele pode se identificar e, a partir daí, é um produtor cultural e agente. Pode se articular, se engajar em ativismo de juventude. O Futura é um canal muito engajado. Temos programas, chamadas de produção, faixas de programação inteiras, projetos como o ‘Maleta Juventudes’, um conjunto de conteúdos diversos para que jovens se organizem localmente. Temos parceria com 63 universidades brasileiras, uma porta aberta para a juventude. E estamos imaginando que cumprimos um papel educacional com as juventudes – temos, por exemplo, programas que falam das profissões do mundo 4.0; o Expresso Futuro, com Ronaldo Lemos, sobre inovação; e assim por diante.

O que atrai mais audiência hoje?
Nosso jornalismo, com certeza. O Futura é reconhecido como um “canal confiável” e tomamos muito cuidado com isso. O programa Conexão Futura é o mais visto em todas as plataformas. Ele aprofunda temas do jornalismo, principalmente no campo da educação e da sociedade.