Beia Carvalho: números mostram que não teve evoluçãoO Dia Internacional da Mulher, que é comemorado em 8 de março, inspira discussões sobre diferenças de gêneros em todo o mundo. Desde o século passado, quando o movimento feminista ganhou visibilidade global, muitas mudanças aconteceram, mas ainda há um grande caminho pela frente até que mulheres e homens conquistem igualdade de direitos, respeitando as características de cada gênero. A Ipsos MediaCT divulgou uma pesquisa que mostra o perfil da mulher brasileira, confirmando que as diferenças existem. Segundo a pesquisa, as características do público variam muito mais do que apenas de acordo com o gênero. “Não se pode achar que todas as mulheres têm o mesmo comportamento”, explicou Diego Oliveira, diretor de contas da Ipsos MediaCT.

O estudo divide a população de 13 macrorregiões do país em 13 categorias. Os números confirmam que as diferenças entre homens e mulheres não podem ser ignoradas pelas marcas. Em alguns casos, a pesquisa reafirma os lugares comuns. Na categoria Tecnológicos, por exemplo, são apenas 3% de mulheres, frente a 97% de homens. Neste grupo, estão os consumidores que adoram o mundo virtual e gadgets eletrônicos de todo tipo, além de automóveis, esportes, humor e passatempos.

Já entre os Consumistas, elas são 91%, contra apenas 9% deles. As Consumistas são pessoas que têm prazer em fazer compras; superficiais; preocupadas com a própria imagem; e gostam de assuntos relacionados a celebridades. Além da questão de gênero, a pesquisa mostra que as diferenças culturais de uma região para outra também têm grande influência no comportamento. “Por exemplo, as Dedicadas são 22% das brasileiras, mas são 30% das mulheres da região Centro-Oeste e 15% das nordestinas”, contou Oliveira. As Dedicadas são conservadoras, tradicionais e religiosas. Observadoras da realidade, elas usam a TV e o rádio como janelas para o mundo e se interessam por temas como beleza, saúde, bem-estar, casa e pelo lar.

O estudo da Ipsos MediaCT mostrou que o maior número de mulheres do grupo de Novas Alternativas está em Porto Alegre: são 25% delas. Elas são pessoas independentes, pouco tradicionais e não apegadas a convenções. O Rio de Janeiro tem a maior concentração de Conformadas (25%), que vivem em condições econômicas apertadas e não veem muita perspectiva de mudança, por isso aceitam as dificuldades como um peso necessário.

Já as Ambiciosas estão concentradas em São Paulo e Porto Alegre, com 19% delas em cada região. “Há uma tendência a achar que Ambiciosas e Novas Alternativas estejam no Sudeste, mas elas se concentram na região Sul”, contou Oliveira. As mulheres Ambiciosas são mais focadas na vida profissional, práticas, concentradas em tecnologia, economia, finanças, política e mercado de trabalho.

Em São Paulo, estão 62% das Elites, que são mulheres moderadas em seus prazeres, apesar da posição invejável na sociedade. Grandes consumidoras de cultura, elas vivem de forma discreta e valorizam seu tempo.

De acordo com o executivo, ao longo dos anos, a pesquisa mostrou a mudança no comportamento das mulheres. “Cada vez mais as mulheres têm extrema importância. Elas estão mais racionais e ocupando mais cargos de destaque. Hoje elas são, sem dúvida, formadoras de opinião e estão encontrando o equilíbrio entre profissão, bem-estar e vida pessoal”, disse.

Mudanças

A questão de gêneros é notícia no dia a dia. No mês passado, ao receber o Oscar de melhor atriz coadjuvante, Patricia Arquette surpreendeu a plateia ao pedir igualdade de direitos e salários entre os gêneros. Aqui no Brasil, a Câmara dos Deputados aprovou, na semana passada, um projeto para transformar o feminicídio em crime hediondo. Mas, apesar de o assunto estar em voga, ainda há muito a ser feito para garantir que os direitos de homens e mulheres sejam de fato respeitados igualmente.

As estatísticas são nada animadoras. “A ONU estima que 66 mil mulheres tenham sido assassinadas entre 2004 e 2009 por serem mulheres. No Brasil, foram quase 44 mil mulheres assassinadas entre 2000 e 2010. Em 30 anos, dobramos nosso abominável, repugnante, status de 2,3 para 4,6 assassinatos por grupo de 100 mil mulheres. Os números mostram que não houve evolução”, disse Beia Carvalho, fundadora e presidente da consultoria de inovação 5 Years From Now.

Marlene Bregman: "não é falta de competência"O que muitas mulheres já questionam hoje é a própria responsabilidade na continuidade do machismo. Longe de querer culpar a vítima pelo crime, é preciso se atentar ao fato de que, muitas vezes, as próprias mulheres acabam alimentando os estereótipos. “Se não estivéssemos perpetuando isso, não estaríamos nessa situação. Por exemplo, muita mulher se sente inferior se está sem marido”, falou Beia. “Talvez a mulher aceite tacitamente ganhar menos ou ela tomaria outra posição. Mas o que eu tenho certeza é que não é falta de competência”, concordou Marlene Bregman, consultora de planejamento estratégico da Leo Burnett.

A diretora-geral do Grupo Troiano de Branding, Cecilia Russo, que está em Atlanta, nos Estados Unidos, terminando um mestrado em estudo de gêneros, vai pela mesma linha ao questionar o motivo de elas não serem tão encontradas em postos de liderança na área de comunicação. “O que eu vejo nas agências é um grande contingente de mulheres em cargos de gerência média. Eu me questiono por que elas não vão adiante. Vejo dois pontos. Primeiro, para as mulheres que valorizam uma vida fora do trabalho, fica incompatível um cargo alto porque demanda muita energia. Depois, talvez essa constatação de que a indústria da comunicação é moderninha, de vanguarda, não seja tão real. Pode ser que haja uma cultura de ser um jogo de meninos”, explicou.

De acordo com Marlene, uma hipótese é que haja falta de iniciativa. “Não acredito que um diretor de criação se recuse a trabalhar com uma mulher. A impressão que eu tenho é que menos mulheres procuram a criação”, opinou.

Para haver mudança é necessário debater o assunto. O Publicis Groupe, por exemplo, criou o VivaWomen, um movimento mundial que reúne mulheres do grupo todo para network. “Começamos agora no Brasil exatamente para as mulheres ganharem uma voz maior”, explicou Marlene. De acordo com  Beia, é preciso usar essa característica da facilidade de comunicação, tida como feminina, para instigar cada vez mais a discussão.  “Quando começamos debates dessa complexidade parece que eles não vão dar em nada, mas em uma perspectiva histórica é assim que começam todas as mudanças”, defendeu Beia. Além da presença nas agências e anunciantes, também se percebe que a mulher retratada na propaganda ainda segue, muitas vezes, os padrões de um mundo dominado pelos homens. “Na área financeira, por exemplo, os anúncios são unissex. Cada vez mais nós vamos caminhar para isso: as campanhas serão mais baseadas nas necessidades e não nos gêneros”, falou Cecília.