Aconteceu naturalmente. Nada planejado. Decidiu-se fazer uma releitura. As pessoas gostaram e pediram mais. Séries e franquias. O conteúdo prevaleceu. Sai Angelina e Pitt. Entram Power Rangers e Angry Birds. No mundo do efêmero e fugaz, as pessoas, quando gostam, querem mais, mais e mais. O conteúdo prevaleceu sobre astros e estrelas. Valorizam-se os autores, depreciam-se os atores. Questão de u!

O tal do “star system” derrete; prevalece o “content system”. A narrativa, finalmente, ocupa todo o palco. Das cinco principais estreias previstas para 2017, no território da ficção científica, uma é absolutamente inusitada – correndo o risco de converter-se mais adiante em franquia – e as demais quatro, continuações. A inusitada e original é o filme Vida. E as continuações, ou franquias, Planeta dos Macacos, Alien, Star Wars e Blade Runner.

Pior ainda. Quando astros e estrelas prevalecem, poderiam ser totalmente substituídos por desconhecidos ou figurantes com reflexo zero nas bilheterias. Todos, a caminho da irrelevância. Um dos maiores sucessos deste ano, A Bela e a Fera, já se coloca entre as 30 maiores bilheterias de todos os tempos, com mais de US$ 1 bilhão, com um caminho ainda a percorrer.

No filme, cachês desnecessários de milhões de dólares para Ewan Mc Gregor, Emma Watson e Dan Stevens, descaracterizados por computação pesada. Em artigo na revista Vulture um balanço do que ocorreu com alguns dos últimos e aguardados lançamentos nos Estados Unidos e no primeiro trimestre deste ano, versus o cachê recebido por astros e estrelas.

Vigilante do Amanhã, com Scarlett Johansson, que levou US$ 17,5 milhões para casa, arrecadou apenas US$ 32 milhões na semana de estreia, perdendo para outros dois filmes. O mesmo ocorrendo com filmes protagonizados pelos cachês milionários de Chris Pratt, Ryan Reynolds, Jennifer Lawrence, Ryan Gosling e Brad Pitt, massacrados pelos heróis de Power Rangers, pelo megagorila Kong na Ilha da Caveira e pelos passarinhos ensandecidos de Angry Birds. A história do cinema está repleta de acidentes e fatalidades; de atores e atrizes encerrando suas carreiras súbita e precocemente. Cory Monteith, Philip Seymour Hoffman, Health Ledger, Anne Nicole Smith, River Phoenix, John Belushi e Judy Garland, entre outros, abreviaram carreira e curriculum por overdose.

Outros, por vontade própria, decidiram saltar fora e seguirem novos caminhos, como Mara Wilson (Matilda), Jeff Cohen, (Os Goonies) Amanda Bynes (Tudo o que uma Garota Quer), Macaulay Culkin (Esqueceram de Mim), Josh Saviano (Anos Incríveis). Mas, pela primeira vez em toda a história do cinema, o conteúdo se sobrepõe e ofusca os intérpretes. Tempos de brand content, de narrativa, de contar histórias de forma lúdica, magnetizante e arrebatadora. E que deixa em todos a vontade e o desejo de querer mais, da continuação. Nos números de Hollywood, no balanço dos últimos três anos, só três filmes com conteúdo original e atores de nome deram o retorno esperado. Sniper Americano (2014), Perdido em Marte (2015) e Estrelas Além do Tempo (2016). E a estreia do original mais aguardado deste ano, Vida, foi um tremendo fracasso.

Assim, aconteceu. Astros e estrelas terão de se conformar, em todos os próximos anos, com cachês ainda milionários – poucos –, mas com um zero a menos. Enquanto e finalmente, na era do conteúdo, alimentado por uma nova cultura decorrente de Harry Porter e de O Senhor dos Anéis, das infinitas séries de sucesso da Pay TV, e do streaming (Netflix), colocam escritores e roteiristas no foco das disputas pelos estúdios. Como nos ensinou o maravilhoso filme dirigido por Robert Redford, A River Runs Through It, e, na tradução, Nada é para sempre!.