Especializada em tecnologia, gestão de negócios e outsourcing, a Accenture enxergou uma oportunidade no marketing para ampliar seu portfólio de serviços. E a criatividade faz parte da estrutura da Accenture Interactive, listada pela Advertising Age como a maior agência digital do mundo, com receitas de US$ 4,4 bihões. A expansão tem sido feita por aquisições, como a da australiana The Monkeys, no último dia 7. No Brasil, montou a área Branding, Strategy and Planning, que tem como CCO o executivo Eco Moliterno. Nesta entrevista, ele explica os desafios da empresa. 

Quais são os desafios dessa nova fase da sua carreira?

Aprender mais em uma empresa como a Accenture. Principalmente sobre esse novo mundo dos negócios. Não existe mais a ideia de fazer comunicação sem garantia de resultado para o cliente. Não há mais espaço para a ideia pela ideia, descolada da experiência do consumidor. Antes o importante era criar uma marca e fazer campanhas que chamassem a atenção. E o Brasil virou referência desse modelo. Hoje em dia, porém, se a comunicação não estiver plugada no objetivo de negócios, não faz mais sentido. Para fazer essa transição, percebi que era hora de mudar. Comecei no digital, mas para aprender sobre o universo offline fui para a Africa, para conhecer de perto as sutilezas da comunicação de massa. E o Nizan Guanaes é mestre nisso. A terceira perna desse tripé é construir uma mentalidade de dono. Não basta a ideia ser boa, ela tem de ser funcional.

Qual é a essência da Accenture?

É uma empresa com expertise em termos de negócios e conhecimento profundo do cliente. Ela tem o background de consultoria. Ou seja, de fornecer todo o suporte de negócios, tecnologia e estratégia. Eles sempre trabalharam com os C-level (CEOs, CIOs e CFOs). Os líderes das empresas. Agora querem explorar os CMOs.

A empresa enxergou um gap não observado pelas agências de publicidade?

O processo é de convergência. E para a mesma direção. Assim como as consultorias querem ter domínio em relação à comunicação das marcas, as agências querem entrar no universo dos negócios dos seus clientes. Cada vez mais as agências estão contratando profissionais de BI, tecnologia e estatística, por exemplo. A Accenture agora está investindo na área de construção de marca.

A Accenture atua no B2B empresarial e prospecta o B2C?

É o B2B2C. A partir do momento que se muda a experiência do consumidor com as empresas, estamos ajudando no seu desenvolvimento. E vice-versa. A Fjord, uma empresa de design digital, incorporada há dois anos, está sob o guarda-chuva da Accenture Interactive, é focada nos dois lados: quem vende e quem compra. A palavra experiência é onipresente na Accenture. Quem compra melhor fica mais satisfeito. A experiência não pode ficar aquém da promessa da marca. A partir do momento que o consumidor ingressa nos pontos de contato com uma marca, a Fjord está por trás revendo todas as situações, de um recall de produto à comunicação. Minha expertise sempre foi realacionada à parte final, quando a comunicação é embalada para o consumidor. Na Accenture é diferente. Na agência, o profissional encontra o produto pronto; aqui participamos da criação do produto e de todos os processos, inclusive comunicação.

A Accenture é uma agência?

O modelo é ser mais do que uma agência de propaganda, mais do que tecnologia e mais do que uma consultoria. É a junção disso tudo em busca de algo novo. O projeto agrega algumas coisas do formato das agências, principalmente em termos de criação e estruturação de marca.

Como a criatividade será contemplada?

A busca pela ideia e pela comunicação criativa vai continuar, mas adaptada às necessidades da Accenture. Encontrar uma forma diferente vai ser sempre muito valorizada, especialmente com engajamento emocional. Vou continuar fazendo o que sempre fiz, mas com a possibilidade de influenciar no processo relacionado ao negócio do cliente. Quando a Accenture faz uma consultoria ela sugere a criação de produtos, serviços e pacotes novos. É cocriação pura!

Os processos criativos são outros?

São mais profundos: end-to-end. Isso é muito rico para os profissionais de criação. Influenciar projetos mais longevos é a diferença latente.

E como é a jornada do novo consumidor, que é mais crítico e reativo?

Com um elenco de expertises para ele observar relevância. Empresas como Uber e Airbnb começaram dando ênfase a uma experiência disruptiva. Só depois investiram em comunicação de massa. Antes viveram do boca-a-boca. Esse público reverbera, recomenda e desconstrói. Com a minha chegada para o novo núcleo Branding, Stretegy and Planning conseguimos proporcionar esse conceito de experiência total. A Accenture tem cinco divisões verticais: consultoria, operações, estratégia, tecnologia e digital. Minha área está sob o digital, mas no braço Accenture Interactice, que, segundo o Advertising Age, é a maior operação global entre as agências digitais.

Qual é o movimento estratégico?

A Accenture começou a fazer aquisições de agências de publicidade em todo o mundo. A última foi a da australiana The Monkeys. No Brasil, adquiriu a AD. Dialeto; na Inglaterra, a AMJ; e na Alemanha, a SinnerSchrader. As aquisições fazem parte do movimento de integrar empresas com vocação na questão da criatividade. No Brasil, eles decidiram me contratar para montar uma equipe própria. A ideia não é replicar a estrutura das agências. Os experiences architects, profissionais híbridos que ficam nos clientes para integrar mídia e atendimento com todas as capabilities da Accenture, é uma inovação. Se for só para fazer comunicação, o potencial da empresa será subaproveitado.

A Accenture trabalha com clientes que têm agência de publicidade?

Sim. Nosso foco é propor um modelo inovador, inclusive do relacionamento das marcas com suas agências. A comunicação não pode mais ficar desplugada do resto. Sim, vamos concorrer com as agências. Estamos prontos para uma entrega completa, mas a segmentação depende do cliente. Marca e experiência trabalham juntas. A ideia é levar os conceitos da Accenture de criatividade para o vetor de marketing, porque a empresa já é muito presente em outras áreas das empresas.

Como é combinar tecnologia com branded content?

A entrega híbrida e líquida sempre me encantou. A Accenture usa a expressão future proof porque as entregas são de longo prazo. E nas agências os tiros são curtos. O serviço integrado leva mais tempo, mas, ao mesmo tempo, as coisas estão mais voláteis. O digital está entrando naquela curva exponencial onde tudo muda muito rapidamente. Estou aprendendo a ser future proof. Será que um conceito vai ser relevante em alguns meses? O racional de consultoria é muito rico. O branded content entra para construir marca, que é a minha troca na Accenture.

Na sua avaliação, o que é inspirador?

O Steve Jobs é um bom exemplo. Ele disse certa vez que o seu sonho era transformar o computador em um telefone. Quando alguém faz uma ligação, movimenta uma cadeia enorme, do satélite ao receptor na outra ponta da linha. E essa tecnologia não fica visível para o usuário. A Accenture fala com o cérebro das pessoas. Minha missão é tocar o coração, ou seja, mostrar o valor emocional para a solução racional que empresa já tem. Só falta embalar; o valor já está construído. Jobs não queria que as pessoas entendessem de bits e bytes, mas que entendessem o lado emocional de pensar diferente.

As coisas não precisam ser tão matemáticas, não é mesmo?

Tem uma frase da poetisa norte-americana Maya Angelou muito apropriada sobre isso: “as pessoas vão esquecer o que alguém disse, mas não vão esquecer o que sentiram”. Uma experiência relevante é uma combinação que ativa os dois lados do cérebro.

O que é mesmo digital?

É uma palavra fadada a morrer. Como morreram informática e eletrônica. Tudo vai estar plugado na internet. Tudo vai ser digital. Ela não faz mais sentido porque virou commodity. Vão surgir outras terminologias, mas elas são marcos de comunicação. No futuro, a pessoa vai ser o próprio gadget. Ninguém vai precisar de hardware porque os softwares estarão instalados nas pessoas. O digital marca uma era na qual as coisas físicas estão plugadas na internet.

E a mídia?

Estamos saindo de uma era do um por todos para uma na qual são todos por um. Não há mais espaço para uma fonte que aglutina tudo e fala com todo mundo. A programática é isso: sair do modelo de mídia de massa para juntar vários canais e entregar para a pessoa o que ela realmente gosta. Essa transição é inevitável. No Brasil ela está mais lenta, mas o jeito que os consumidores estão se relacionando com as coisas é descentralizado. Os meios precisam se adaptar. No ambiente programático, a família margarina cedeu lugar à segmentação extremada. Estamos saindo da era do orçamento de um filme de 30 segundos para uma que vai orçar 30 filmes de um minuto. Não há uma comunicação para todos. É o branded content instalado em todos os formatos. E customizados.

E os adblocks?

Existem bloqueadores de publicidade, mas nunca vão existir bloqueadores de criatividade. Quando alguém gosta de algo, ela recomenda. Não tem mais esse negócio de push & pull media. As pessoas estão no comando e elas podem e querem bloquear o que não é interessante para elas. Mas o endosso de alguém que confiamos não tem bloqueio. Por isso, a necessidade de usar a criatividade como elemento-chave para a comunicação ser assertiva.

E os robôs?

Vamos ter de aprender com eles. Mas usar a nosso favor. Aviões, trens, navios e metrôs já são guiados por robôs. No futuro serão os carros, que passarão a ser estações de trabalho para os motoristas de hoje. E os robôs não vão roubar empregos. No caso da comunicação, toda a parte processual de segmentação de mensagens vai ser executada por robôs. Vamos criar uma combinação volumosa de títulos e os robôs, via mídia programática, vão segmentar esses conteúdos. É um trabalho automático que não é para humanos. Se unm robô for programado para scanear todos os quadros do Picasso, pode surgir um quadro novo. A J. Walter Thompson fez isso com Rembrandt, que ganhou um Grand Prix no Cannes Lions do ano passado com “The next Rembrandt” para a seguradora ING. O ser humano será pago para errar; robô não erra.