Marcelo Lyra foi convocado em abril deste ano para uma missão difícil. Liderar o processo de gerenciamento de crise e recuperação de imagem da holding Odebrecht, peça central no esquema de corrupção evidenciado pela Operação Lava Jato. Em meio às delações premiadas de seus representantes, incluindo do próprio então presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, preso há pouco mais de um ano, Lyra elaborou estratégia para colher frutos em até cinco anos. À frente da vice-presidência de comunicação e sustentabilidade da companhia, o executivo definiu como ponto zero dessa recuperação o acordo de leniência feito com a Justiça, marcando também o pedido de desculpas à sociedade, reconhecendo os erros do passado. Tentando olhar para o futuro, a companhia anunciou recentemente uma nova arquitetura de marcas, que dá mais autonomia para seus nove negócios. Na entrevista a seguir, Lyra fala sobre o processo de reconquista de reputação.

Divulgação

Ponto zero
O acordo de leniência nos fez transitar para o momento em que começamos a passar as mensagens para a sociedade. Do ponto de vista de comunicação, esse momento se materializa no pedido de desculpas que a gente publicou na imprensa. Esse é o ponto zero. Passado isso, entramos na governança, conformidade e reestruturação empresarial. Essa é a mensagem-chave desse período, que é o que estamos vivendo agora. Uma vez que nós admitimos nossos erros, temos de mostrar o que estamos fazendo para que eles não voltem a ocorrer. O dever de casa foi a instalação de um sistema de conformidade robusto, que de fato tenha uma disciplina e rotina para identificar ilícitos ou preveni-los. Houve também mudanças nas regras de governança do grupo no sentido de fazer com que o processo de gestão e de relação da holding com os negócios seja mais disciplinado e com menos interferências.

Recuperação de imagem
Nesse momento de baixa reputação, da primeira etapa do plano, não pensamos em publicidade porque eu não tenho direito de falar de mim mesmo. Uma publicidade pura e simples não seria legítima, não iria ser percebida de forma positiva, mas como superficial. Conversa com colaboradores e informação editorial foi nossa primeira abordagem. Estamos no meio do caminho do estágio, ainda há espaço importante para sedimentar essa percepção de que de fato estamos fazendo o dever de casa corretamente.

Ação e reação
Antes da comunicação vem a atitude. Não adianta você comunicar o que você não faz. Essa parte toda de ajustar o sistema de conformidade serve como conteúdo para a comunicação. Essa é a mensagem-chave nesse primeiro momento, cujo objetivo é mostrar que estamos fazendo o dever de casa. Estamos em uma crise muito grande e precisamos sair dela mostrando o que está sendo feito. Qual é o público-alvo dessa primeira etapa? É o público interno, nossos integrantes. Porque ele é o primeiro cara que precisa recuperar a confiança na Odebrecht. A partir dele e dessa recuperação de confiança, a gente parte para o movimento externo, fazendo com que essa mensagem chegue aos formadores de opinião, por exemplo.

Apoio interno
Nessa crise, qual é a primeira reação das pessoas? Reconheço os defeitos da empresa, mas conheço as virtudes. Sei que há um lado na companhia que posso apostar e quero ver esse lado acontecer e se fortalecer. Quando você vê essa manifestação de integrantes e até mesmo de ex-integrantes, é muito nesse sentido, de querer ver os atributos positivos. Por exemplo, nossa reputação para o público geral caiu nesse período para 20 pontos, em uma escala de 0 a 100. Tínhamos em torno de 65 pontos. No público interno, ela quase não caiu. Ficou entre 60 e 65, caiu pouco com os aspectos negativos. Tem um estoque de reputação construído ao longo desses 72 anos, que foi muito útil nesse momento. É lógico que as pessoas tiveram seus momentos de dúvida e decepção, mas tem muita gente que quer ver a construção da Odebrecht do futuro.

Relevância
Buscamos a percepção de utilidade social da companhia. Por que um grupo como a Odebrecht merece existir? Quais produtos e serviços esse grupo entrega para a sociedade de forma que gere um bem-estar social coletivo e a sociedade perceba sua utilidade? A gente já fazia isso no passado, mostrava uma grande hidrelétrica ou uma belíssima estrada, sempre muito mais focado na excelência da engenharia, que é um atributo que a Odebrecht tem forte. Porém, nós queremos passar um ponto de vista da relação humana. Esse é um momento que a gente vai construir ainda lá na frente, buscando o que chamamos o direito de existência social.

Imagem após a crise
Fizemos um levantamento de atributos da marca Odebrecht com o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) e depois com a Interbrands e nos dois casos fomos percebidos como uma empresa técnica, com capacidade de inovação, uma marca plural, tanto do ponto de vista geográfico quanto das pessoas, da diversidade cultural. Uma empresa com elemento sustentável presente, relativamente forte e um grupo dinâmico, no sentido de estar sempre buscando soluções inovadoras. São atributos que resistem à crise e foram instrumentos importantes para a construção da nova arquitetura de marcas.

Autonomia
A motivação para essa nova arquitetura de marcas é mais conectada ao primeiro movimento de governança e de conformidade empresarial. Nela, definimos também o papel da holding Odebrecht, que antes tinha uma influência direta nos negócios. No momento em que a gente cria essa disciplina em que a holding é representada em seus negócios a partir de seus representantes no conselho, temos uma governança muito direcionada no formato de empresas de capital aberto. Se antes éramos uma holding mais operacional, agora cada negócio tem autonomia para fazer suas entregas de produtos e serviços. A marca Odebrecht continua existindo, mas vinculada à holding.

Tempo de mudança
Os negócios em si podem mudar de nome, desde que tenham uma motivação relevante para isso. A Odebrecht Agroindustrial, por exemplo, vai sair no mercado de forma a atrair sócios para o negócio, e nesse movimento cabe pensar em uma nova marca que passa a se apresentar, gerando valor intangível para o negocio. A Braskem, que tem mudança mais sutil, vai fazer uma mudança de marca, conectada com os objetivos de ser uma empresa global, com relevância setorial maior. Então, ela fez essa mudança a partir de seus 15 anos, trazendo a revisão para o que ela quer para os próximos 15 anos e conectou essa marca em seu projeto estratégico. Cada empresa vai ter sua motivação, tanto que seja absolutamente relevante para mudar. Não vai ser uma mudança cosmética ou para fugir da marca mãe, mas para agregar valor aos negócios e, a partir disso, atrair sócios, apresentar um ativo mais relevante em que a gente possa crescer.

Timing
Essa adequação a nova arquitetura de marca será feita no momento em que cada empresa da holding achar mais adequado para o seu negócio, desde que seja relevante. A mudança não pode ser cosmética. Ela será aprovada no conselho de cada empresa. Essa autonomia também se aplica à escolha de sua agência de publicidade. Aliás, nesse trabalho de rebranding, isso já está ocorrendo. Algumas contrataram a própria Interbrands, outras, como a Braskem, escolheram a CBA B+G, que é especializada em branding. Não há obrigatoriedade de seguir a holding.

Novo em folha
Como rebranding é uma roupa nova, primeiro, quando a gente compra, é preciso experimentar para ver se cabe, portanto, o público-alvo desse movimento é o nosso colaborador interno. Nós temos de nos sentir bem nessa roupa e daí sim ir para fora. As oportunidades estão em todas as mídias, vai depender de cada negócio. A Odebrecht Óleo e Gás, por exemplo, é uma empresa de um setor que é muito especifico. Não faz sentido usar televisão. As campanhas de mudança de marca são responsabilidade de cada negócio, em linha com essa autonomia e independência dos negócios.

Futuro
A comunicação da holding Odebrecht só vai ser feita, em uma nova etapa desse processo, quando a gente achar que o dever de casa foi feito, que as pessoas nos percebem com relevância social, e, portanto, poderei falar de mim com legitimidade. É especulativo dizer quando estaremos nessa posição porque a gente vai chegar quando tivermos uma reputação mais elevada, mas o processo todo, do primeiro movimento de delação e acordo de leniência até a comunicação extensiva com objetivo de chegar aos 65 pontos de reputação, deve durar em torno de quatro a cinco anos. É lógico que, se der para a gente fazer isso antes, faremos, mas só vai ocorrer quando sentirmos legitimidade para isso.