Manoel Bandeira, em 1931, fez um poema sobre três mulheres que ilustravam um anúncio do sabonete Araxá que, até onde sei, não existe mais. Não me lembro (até porque não é do meu tempo) se era um bom sabonete, qual seu cheiro e sua qualidade. Se realmente não é mais vendido, como a Quina Petróleo San-Dar ou o Gumex, não deixou saudades. O mundo conseguiu sobreviver mesmo sem o sabonete Araxá. Como vai vivendo sem a Panair, a banha Rosa e o elixir de Angico Pelotense. Porém, do sabonete Araxá ficou o poema de Bandeira, seguramente mais importante para a humanidade do que o tal sabonete, por mais respeito que me mereça seu fabricante que, por sinal, desconheço. O poema diz assim:

“As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam. Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde! O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá! Que outros, não eu, as pedras cortem/ Para brutais vos adorarem/ Ó brancaranas azedas/ Mulatas cor da lua que vem saindo cor de prata/ Celestes africanas/ Eu vivo, padeço e morro só pelas três mulheres do sabonete Araxá!/ São amigas, são irmãs, são amantes as três mulheres do sabonete Araxá? São prostitutas, declamadoras, acrobatas?/ São as três Marias?/ Meu Deus, serão as três Marias?/ A mais nua é dourada borboleta/ se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, dava para beber e nunca mais telefonava./ Mas se a terceira morresse… Oh, então, nunca mais minha vida de outrora teria sido um festim!/ Se me perguntassem: Queres ser estrela? Queres ser rei? Queres uma ilha no Pacífico, um bangalô em Copacabana?/ Eu responderia: Não quero nada disso, tetrarca. Eu só quero as três mulheres do sabonete Araxá./ O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!”

Esse poema me veio à cabeça uma noite dessas, quando mais uma vez me dediquei a um de meus vícios mais persistentes: assistir ao Shoptime e ao Polishop. Não que eu sonhe com as panelas, os fazedores de suco, os grills do Foreman, nada disso. Meu sonho é aquelas moças (o verbo fica no singular porque se refere a sonho) que apresentam esses aparelhos nestes canais de venda. E já que comecei, sigo adiante, sem muito medo do ridículo. Algumas (duas, três?) me erotizam, me hipnotizam, me invocam. Uma, no Shoptime, é meio ruivinha, cabelos cacheados, fala como uma matraquinha. Essa me enlouquece. Dentro dos cânones de um canal de venda, a câmara fica o tempo todo dando closes no objeto à venda. Logo, para ter alguns segundos da ruivinha, tenho de aturar horas de detalhes de tábuas de picar carne, caçarolas e extratores de suco de tomate. Mas vale a pena. Os poucos segundos dela compensam. Fico sabendo que a grande diferença entre um grill comum, desses que só fazem churrasco grill, de George Foreman é a inclinação deste último, que permite a gordura deslizar. Uma puta de uma diferença. Trinta vezes eu ouço essa catilinária. Mas ganho alguns segundos de ruivinha. Que (meu Deus que seja engano!) tem uma aliança no dedo. Casada seria? Vai ver que um marqueteiro exige que ela use para não despertar ciúme em dona de casa. A esperança é a última que morre.

A outra é uma magrinha que vende um aparelho de fazer suco de tudo. Gozado que também aparece num comercial do mesmo grill do Foreman, só que em outro canal. Magrinha ela é, já disse, bem magrinha. Porém tem alguma coisa de maravilhosamente sensual, deliciosamente encantador, que me fascina, me enlouquece, me faz perder horas de sono. Ela aparece bastante, é fácil de encontrá-la. Vende mangueira, traquitana de ginástica e um maquinismo que faz tudo na cozinha. Substituto de liquidificador, moedor de carne, batedeira, picador, processador e dosador, numa única máquina. Eu a vejo umas cinco vezes por noite. Tem outra que é um pouco mais morena, aparentemente mais pequenininha, que tem o que antigamente diziam que era um “jeito brejeiro”. Essa é de largar a família, deixando como explicação um CD com sua atuação demonstrando uma máquina de fazer suflê. Nas minhas noites de insônia, eu fico na dúvida entre assistir aos filmes eróticos do Multishow, do Telecine ou da Fox, reassistir as maravilhosas e tesudíssimas pornochanchadas do Canal Brasil, acompanhar a marcha dos gnus pelas estepes africanas, rever Aeroporto ou lobrigar (dá-lhe Machado!) por instantes minhas deusas. Elas ganham sempre. Sobre elas eu não sei falar com tanta graça quanto Bandeira falou das mulheres do sabonete Araxá. Mas, fazendo uma pobre paráfrase dele, sou poeta menor. Perdoai!

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor