Há cerca de um ano na direção de marketing do Bradesco, período que liderou concorrência que definiu a Leo Burnett Tailor Made e a Publicis como novas agências de publicidade do banco, o executivo Márcio Parizotto assumiu responsabilidade inédita nessa divisão do grupo financeiro. Com sua chegada, houve fusão do marketing com CRM, área que envolve gestão de relacionamento comercial, modelagem, estatística e big data. A ideia, nas suas palavras, “é preparar a forma de fazer marketing em um mundo mais centrado e mais relevante para o cliente”. Confira os principais pontos da sua entrevista.

Alê Oliveira

Qual é a sua visão sobre a absorção do CRM pelo marketing do Bradesco?

O plano é oferecer insumos de um repertório de comunicação tradicional para as ações de CRM. O projeto Personas tem características psicográficas, comportamentais e atitudinais mapeadas em toda a nossa base de 26 milhões de clientes, designadas pelo CRM, mas já envelopadas com características de comunicação marcantes. Conseguimos uma extratificação e a individualização do approach. Claro, num banco com o market share do Bradesco, a comunicação aberta é importantíssima, mas falar diretamente com a nossa audiência, que conhecemos tão bem, é importante. É claro que o mercado e a dinâmica da publicidade vêm se alterando e vamos trabalhar com isso no ambiente externo com o CRM digital, que é o que as mídias programáticas de performance já fazem. Além do tradicional, o CRM passa a ter um segundo componente, que são os históricos, os registros e os comportamentos de clientes e não clientes nas redes sociais. O Bradesco está avançado com as mídias digitais segmentadas.

Como a criatividade deve ser usada nas ações de CRM?

A criatividade transcende o território tradicional. As marcas precisam ser criativas em formatos e timing. Outro ponto é a sistematização dos processos. Precisamos ter crivos mais exigentes em relação às mensagens. Basta abrir um portal para ver banners e displays com letras diminutas sem condição de serem lidos. E muita diligência para que esses conteúdos sejam direcionados de forma adequada.

Qual é o foco da sua gestão?

Alguns valores que fizeram parte do briefing que norteou o processo de troca de agências: comunicação aderente e verdadeira ao propósito dessa organização, quanto a isso não há negociação; consistência na forma e na essência da mensagem e do que fazemos, seja em formatos comerciais. Esse é um erro natural, mas inaceitável e mortal, no que diz respeito a projetos de comunicação; ousadia e arrojo na comunicação da marca sem desrespeitar o histórico de 74 anos do banco.

O novo mote mercadológico, Pra frente, já embute esses pilares?

Seguramente. Vamos buscar mais consistência, mas já traz aderência à marca. Pra frente é uma campanha que traz o que o Bradesco entende por atitude e o comportamento dos brasileiros em situação de hesitação. Os acontecimentos dos últimos dias reforçam a convicção de que esse posicionamento é adequado ao momento do país. Há sentimento de pesquisas de que o Brasil precisa avançar. Essa é uma leitura das grandes e pequenas empresas, da população de grande e baixo poder aquisitivo, em qualquer geografia. O cenário pode ser turbulento, mas existe um entendimento tácito e explícito de que é preciso avançar a despeito do contexto de crise de credibilidade, confiança institucional e econômica. Ainda no campo do arrojo, o Bradesco vai ser realmente mais ousado na sua publicidade, com recursos que não sejam necessariamente tradicionais ou que tenham permeado a nossa comunicação. Os ângulos de captura das imagens serão menos usuais. A voz do Pedro Bial, até certo ponto polêmica, traz credibilidade à marca.

O que está além da TV?

O projeto acompanha outras mídias. Já temos em social mais de 20 milhões de views do Pra frente, que refletem histórias de vida reais de pessoas reais, sem cachê, que ilustram esse sentimento do Pra frente em social media. Um dos trackings, que em princípio pode parecer negativo, mas na nossa avaliação não, é que nem parece Bradesco. Claro que não queremos ruptura, mas esse arrojo passa por isso. A consistência virá com o tempo. O posicionamento tem esse elemento de hesitação, dúvida, tensão, insegurança e de frio na barriga, mas substanciado com o desejo de ir pra frente.

A campanha faz referência à ação Pra frente Brasil, que ativou a seleção brasileira na Copa de 70?

Consideramos, mas não foi a referência. Quero dizer que a conotação política é zero. Não é um conceito que busca um otimismo ingênuo e irresponsável dos brasileiros de que tudo vai dar certo. O otimismo do Bradesco é responsável. Mesmo um pouco hesitante devido às fake news, crise de credibilidade, crise institucional, crise econômica e crise de confiança, com o índice de 14% de desemprego. O posicionamento é mais relacionado ao estado de espírito do brasileiro do que uma motivação ufanista e patriota. A assinatura traz uma sutileza: ela não afirma que o Bradesco é um banco que está sempre à frente ou que é mais inovador. Também não é uma ordem.

Há um processo de design thinking?

Inovação é uma das nossas plataformas institucionais. O sucesso do banco é lastreado historicamente por inovação. Nosso posicionamento tem de ser maleável e flexível para se permitir desdobramentos criativos, rápidos e errar quando necessário.

Quais os desdobramentos?

Na perspectiva do negócio, continuar facilitando e oferecendo instrumentos para que as pessoas evoluam nas suas vidas. Temos um projeto, publicitário inclusive, de suprimento de crédito que mostra o banco como parte desse momento e sendo um fiel escudeiro das decisões dos clientes através de antecipação de recebíveis, consórcio e outros meios da natureza bancária. O Pra frente se materializa na nossa forma de atuar. Não é um discurso vazio e insosso. Para os 30 mil gerentes da corporação é uma voz de comando impactante no sentido de seguir em frente com motivação e agressividade. No lado da publicidade, não vale o institucional pelo institucional. Vamos buscar uma variação estética e de tom para gerar impacto para fazer uma boa gestão de mídia. Não existe um briefing criativo do Bradesco que não seja acompanhado de um projeto inicial de distribuição. O conteúdo não é nada sem formatos e mídia. O insight não é suficiente para o banco. Nossa obsessão é que a distribuição seja pensada junto com a criação, quando não antes. Isso vai se dar com um tempero de UX (User Experience). A comunicação precisa estar a serviço de quem a consome.

Qual vai ser o papel da Leo Burnett Tailor Made e da Publicis na gestão de comunicação do Bradesco?

A Publicis detém a parte principal que envolve o institucional, gestão da marca, e deve ficar com alguns territórios como crédito para bens de consumo mais massificados e conta corrente para pessoa jurídica. A Leo fica com investimentos, inovação, cartões e Bradesco Prime. Fizemos essa divisão para que haja clareza e fluência no modus operandi e criatividade. Temos a clareza de que os processos são dinâmicos. Tudo pode mudar, mas a ideia é que ambas tenham assentos predefinidos. Antes tínhamos quatro agências com divisão entre online e offline. A concorrência serviu para corrigir esse processo de governança. Agora elas estão empoderadas para fazer comunicação em qualquer plataforma.

De que forma o Bradesco utiliza plataformas proprietárias, por exemplo os aplicativos, como um ponto de contato?

Canais e tecnologia se substituem. O internet banking, por exemplo, está decrescente no Bradesco. Nosso pensamento de inovação é menos centrado no device, mas na experiência do cliente. Hoje um cliente que usa o aplicativo é exposto a uma comunicação 100% direcionada para o seu perfil. Um grande investidor não vai receber uma proposta de crédito consignado. O tom de comunicação é distinto.

E a inteligência artificial?

Essa é uma agenda prioritária e até certo ponto já iniciada. Temos a BIA (Bradesco Inteligência Artificial), em parceria com o sistema Watson, da IBM, que consegue responder para os gerentes toda a sorte de perguntas relacionadas a serviços. O sistema se retroalimenta e gera inteligência. Em breve vai ser expandido para clientes.

Banco é um mal necessário?

Desde a Idade Média a indústria financeira é demonizada pela sociedade porque é vista como agiotagem. Num primeiro momento é mais difícil fazer branding. É um ambiente desfavorável que deve ser tratado de forma quase científica e metodológica, mas acompanhado de legitimidade do posicionamento. Não dá para fazer comunicação fantasiosa, utópica ou ilusória. Funciona se for genuinamente verdadeira e amarrada ao propósito da organização.

E as fintechs?

Podemos dizer que elas são vistas muito mais como oportunidade do que como ameaça. O InovaBra envolve fintechs, startups, anjos e o ambiente acadêmico.