Quando criança, eu costumava ficar observando o comportamento dos cavalos, frente às moscas que teimavam em pousar em suas orelhas. Havia um que eu via com frequência. Puxava a carroça do sujeito que todos os dias vinha buscar tralhas de um terreno baldio, em frente à minha casa. O cavalinho ficava horas ali, encilhado, com a cabeça baixa. Um enxame de moscas rodeava as suas orelhas o tempo todo e ele as mantinha em permanente movimento, tentando espantá-las. Mesmo assim, algumas conseguiam pousar, exigindo mais empenho para serem afastadas.

Outro dia, me senti como aquele cavalinho. Estava navegando pela internet, pesquisando alguns portais, sites e blogs. E me vi permanentemente obrigado a desfocar do que estava fazendo para ocupar-me de clicar no “x” das mensagens comerciais que se sobrepunham aos assuntos de meu interesse. Algumas mais ousadas não obedeciam ou retardavam a ação do meu comando. Fiquei pensando em qual é a diferença entre o embate do cavalo de verdade com as suas moscas e o embate que enfrentamos com as interferências não desejadas em nossa navegação. O cavalo não pode fazer mais do que mexer as orelhas permanentemente. Essa é a sua única ocupação. Não tem capacidade para qualquer outra coisa.

Já nós temos inteligência para pensar numa solução.

Em Contato, o escritor Carl Sagan criou um personagem, um cientista, que havia desenvolvido um equipamento que, acoplado à tevê, fazia com que o volume do som baixasse nos intervalos dos programas. Isso revela que o autor parecia avesso à publicidade. Não era o único. Uma parcela importante da população mundial também deve ser. Por irônico que pareça, se trata de um target interessante do ponto de vista do marketing.

Como profissional do ramo, comecei a imaginar em como poderia sensibilizar esse segmento, em benefício de alguns clientes. E aí reside o fascínio do marketing. Para ele, nada é problema, tudo é oportunidade. Basta que um número significativo de potenciais consumidores pense de uma determinada maneira para que, imediatamente, isso se converta numa possibilidade de algum tipo de proposta. Se o problema é o incômodo das interferências de ações de mar- keting em nossos equipamentos, por que não alavancar a nossa marca atendendo a essa demanda? Então, supus o desenvolvimento de um aplicativo chamado “Out marketing!”, cuja função seria a de bloquear o acesso das programações de marketing das marcas aos nossos endereços virtuais. Bastaria que você começasse a sua navegação clicando no ícone do aplicativo para viajar pela net livre de qualquer anúncio.

Digamos que o aplicativo tivesse uma boa acolhida. E, como sempre ocorre, os termos de uso não merecessem maior atenção. Só que lá nas letrinhas do meio do longo texto estaria escrito que “um dia” nós poderíamos comercializar cotas de patrocínio. Nesse “dia” venderíamos cotas para patrocinadores exclusivos. E os usuários passariam a ter de abrir o aplicativo, usando o comando de voz para dizer “Coca-Cola” ou “Volkswagen”, por exemplo, antes de continuar sua navegação “livre de anunciantes”. Provavelmente, para esse usuário, ainda valeria a pena. Até o dia em que fosse criado um aplicativo que “desbloqueasse” essa exigência do nosso. E que não pedisse nada em troca, por enquanto…

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimir@gmail.com)