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Somos vítimas do conflito que nos foi imposto: viver em um país que hoje são dois, o da iniciativa privada, realizadora, repleta de sonhos e que, com empregos, impostos, produtos e serviços, alimenta também o outro país, o oficial, hoje com terrível inchaço de funcionários e colaboradores, mentalidade estatizante, conduzidos por políticos gananciosos e orientados no seu núcleo mais alto por conselheiros frustrados.

Uma dessas frustrações reside no fato de não terem conseguido convencer as multidões de que as bandeiras vermelhas deveriam substituir as cores do pavilhão nacional.

Não levam em conta os frustrados, o fracasso da ideologia que os encanta, ocorrido em outros países depois de um longo tempo de imposição forçada.

A queda do Muro de Berlim abriu os olhos da Humanidade para a falência do sistema que chegou a ser o sonho de uma juventude que, todavia, jamais o experimentou na realidade.

Aqui no Brasil alguns fatos históricos contribuíram para o engrandecimento desse sonho: a chegada em massa de imigrantes europeus de países de origem latina, entre o fim do século 19 e o início do 20, à procura de um mundo melhor após explorados em regimes trabalhistas de semiescravidão em seus países de origem, não só na lavoura como na indústria.

A primeira Grande Guerra (1914-1918) contribuiu para o fomento da miséria nesses países e os que aqui já estavam, deles descendentes, reforçaram a ideia de que era preciso combater cada vez mais o capital em prol da valorização do trabalho.

A Revolução Bolchevique, no período final da Grande Guerra (1917), reforçou o ideal de que havia, sim, a possibilidade de um mundo melhor.

Foi o estopim para a pressão social aumentar e se espalhar pelo mundo, já agora com a contribuição de um novo líder surgindo, com ideias próprias e acenando para uma terceira via, que na verdade para ele significava apenas uma, a única.

Hitler militarizou a Alemanha com o objetivo inicialmente inconfesso de ganhar o planeta e para isso escolheu o povo judeu e seus descendentes como expiatórios. Todo regime de força que se preze faz isso tão logo é implantado. Há que se ter um inimigo comum para justificar seus excessos que na verdade objetivam galgar cada vez mais os degraus do poder absoluto.

No Brasil, a ditadura Vargas (1930-1945), pior no seu conceito que a dos militares de 1964, colaborou de forma decisiva para alimentar o pensamento de esquerda, que disputou com aquele a bandeira do nacionalismo.

Luís Carlos Prestes, convidado por Vargas para comandar militarmente a Revolução de 1930, recusou-se e se rebelou, saindo do país para viver na União Soviética. Regressou ao Brasil em 1934, clandestinamente, acompanhado da alemã Olga Benário, com o objetivo de promover a revolução armada.

Nomeado Cavaleiro da Esperança pelos simpatizantes da esquerda, liderou a Intentona Comunista, reprimida por Vargas, cujo governo reprimiu com violência e prisões as manifestações populares de cunho político que visavam derrubar seu governo.

Prestes foi preso por nove anos e sua companheira foi deportada para a Alemanha, morrendo na câmara de gás de um campo de concentração. Antes, Olga Benário havia dado à luz uma criança, filha de Prestes, que recebeu o nome de Anita Leocádia. Ela foi entregue à mãe de Luis Carlos Prestes.

A história comovia o Brasil, reforçando a admiração pela ideologia de Prestes, que com a queda de Vargas foi anistiado e eleito senador em 1946.

A esperança do seu cavaleiro contaminou as esquerdas espalhadas pelo país, mas não impediu que a outra ponta da política vencesse as eleições presidenciais de 1950, levando ao topo o ditador Vargas, deposto em 1945.

O governo trabalhista de Vargas (PTB), considerado como de direita, atravessou um longo período de turbulências políticas, culminando com o suicídio do presidente em 1954. Até a eleição de JK, novas turbulências tomaram conta do país, mas o mineiro, eleito, consolidou a democracia, ao menos enquanto durou o seu mandato. Sucedido por Jânio e preparando-se para voltar em 1965, Juscelino criou auréola de quase mito e voltaria com facilidade quatro anos depois, não fosse a malvada da pinga.

Um presidente fora do esquadro, Jânio renunciou sete meses depois da posse, deixando o país à deriva. Jango estava na China em missão oficial, era seu vice e retornava para assumir o comando, o que o estamento militar dominante na época decidiu impedir.

Após muitas negociações, sua posse foi permitida, mas seu governo derivou à esquerda, impulsionado pela força dos sindicatos operários que vinham se organizando desde o populismo de Vargas.

O golpe de 1964, que na época foi denominado de Revolução, prosperou pela recusa de Jango em resistir, dando início ao ciclo militar.

A história recente está mais fresca na memória da maioria dos nossos leitores: Castelo, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo, completando 21 anos de ditadura e reprimindo oposições mais extremadas, como os movimentos de esquerda.

O período militar fez crescer dessa forma a atmosfera romântica que cercava estes últimos, aumentando a sua influência na política do país.

Vítima de tragédia na Presidência da República, Tancredo Neves é eleito, fica doente e morre antes de tomar posse, sendo “sucedido” por Sarney, um governo repleto de altos e baixos, que acabou provocando a candidatura de Lula da Silva, apoiado pelas esquerdas e derrotado por Collor, do qual o país logo se arrependeu de torná-lo presidente da República. Cassado, foi sucedido por Itamar Franco, que nomeou Fernando Henrique para seu Ministério da Fazenda, cuja equipe montou o Plano Real, possibilitando a eleição e reeleição de Cardoso.

A eleição seguinte consagrou Lula da Silva, que foi reeleito e conseguiu eleger e reeleger sua sucessora, Dilma Rousseff.

A partir da primeira eleição de Lula, o sonho das esquerdas de certa forma transformou-se em realidade, com o alcance do poder, embora em regime democrático.

A partir daí, o choque de realidade também se apresentou: pulverizadas em diversos núcleos, as esquerdas não só não se entendiam, como parte delas resolveu permanecer por muito tempo no comando do país, elaborando “expropriações” de dinheiro do próprio Estado, que se antes poderiam se justificar por servir a uma causa, acabaram se tornando objeto de desejo de muitos líderes e até militantes, conseguindo o país produzir um tipo raro de idealista à gauche: ativista e rico, muito rico, desfrutando nas férias e fins de semana das delícias dos donos do capital no capitalismo.

Marx morreria de vergonha se vivo fosse.

O roteiro deste editorial mostra a esquerda sempre à espreita do poder por sucessivas décadas e, quando o atinge, revela-se apaixonada pelo que combatia. Farinha pouca (ou mesmo muita), meu pirão primeiro.

Armando Ferrentini é diretor-presidente da Editora Referência