Era uma vez, num país muito distante, um restaurante diferente. Nele você não pagava o prato que comia. Nem o vinho que bebia. Pagava apenas o estacionamento. O valet.

E, até por falta de opção, esse restaurante fez muito sucesso. Apesar de esquisito, o restaurante não cobrava a comida, apenas o valet. Aquilo se espalhou por todo o mercado de alimentação daquele longínquo país. Com o tempo, outros restaurantes seguiram o mesmo modelo e, então, logo depois, só era possível jantar em um restaurante se pudesse pagar o valet.

Alguns até criaram uma lei para validar isso. Mesmo que você chegasse a pé ao restaurante, era necessário pagar o valet, se quisesse comer. Para os cozinheiros, esse sistema era estranho. Eles perceberam que a qualidade da comida quase não importava, pois todos os restaurantes só cobravam o valet. Por outro lado, os cozinheiros eram mestres em fazer um prato só de carne, um só de massa e apenas uma sobremesa. No máximo uma entradinha.

Mas o tempo passou e chegaram novas tecnologias, novas formas de vender comida. Alguns restaurantes abriram com tapas, sem valet. Outros só serviam sanduíches. E outros apenas comida vegetariana. Mas essa novidade toda guardava um segredo: todos eles sonhavam em ter um valet, pois, na verdade, ele é quem trazia muito dinheiro. Muito mais do que vender um bom prato. Isso causou uma tremenda confusão.

Os restaurantes dos valets passaram também a servir tapas, saladas e, a cada semana, inventavam algo novo, mas só pensando no dinheiro do valet. Por isso, o que os clientes dos restaurantes queriam pouco importava. Estava lá a importância do valet a reger a indústria gastronômica do país.

Chegou-se à bizarrice, devido à extrema competição entre os restaurantes, em dar descontos nos valets. Devolviam aos clientes que iam ao restaurante uma parte do valor do valet. Não é preciso dizer que a qualidade da comida piorou muito. E ainda, se fosse sempre ao mesmo restaurante, devolvia ainda mais, numa progressão de desconto que trouxe incerteza à indústria da alimentação.

Os clientes deixaram de confiar nos restaurantes. Isso abriu espaço para todo tipo de aventureiro. Os agricultores começaram a vender pratos, os contabilistas dos restaurantes começaram a vender pratos. Os advogados dos clientes começaram a vender pratos e até mesmo alguns valets vendiam umas quentinhas de vez em quando.

Isso tirou o movimento dos restaurantes, porém eles continuavam a desejar o valet. E todos os outros aventureiros também. Era o valet que pagava as contas dos restaurantes que já haviam sido vendidos para grandes redes. Mas nem tudo estava bem nessa história. Ao final, os chefs que se dedicavam à culinária se perguntavam: por que não fazer um restaurante que venda pratos bem feitos, com ingredientes frescos, e a pessoa que estacione onde quiser?

Eles acharam uma boa ideia. Aboliram o valet. Não chamaram os advogados e contabilistas. Fizeram uma agenda dos melhores produtores de ingredientes. Fizeram também algo impensado naquele país. Uma placa. Apenas uma placa: “Aqui cobra-se o prato que você consumir”. E passaram, então, a fazer naquele mercado de alimentação uma coisa impensável e completamente inovadora. Alguns diziam que era pura loucura um restaurante fazer culinária.

Flávio Waiteman é publicitário (flaviowaiteman@mac.com)