Em suas três décadas de existência, o digital tem transformado o mundo em vários campos, com níveis maiores e menores de sucesso em seus múltiplos aspectos, mas tem se caracterizado por uma peculiaridade comum: há uma hiperexpectativa generalizada em relação à velocidade de sua adoção e à extensão de seus efeitos, por um lado, e têm sido bem raros e efêmeros seus sucessos, por outro lado.

Ao lançarmos um olhar mais crítico e uma lente mais cuidadosa sobre a realidade do digital, podemos constatar, com facilidade, que o sucesso de público (número de usuários) e comercial (capacidade de gerar recursos, além da especulação acionária) é muito reduzido em relação à imensa quantidade de iniciativas que têm sido feitas no setor ao longo dos anos. Consequentemente, o mundo digital tem sido autofágico, destruindo sistematicamente inúmeras de suas iniciativas antes mesmo que elas pudessem florescer e substituindo em ritmo alucinante os vencedores de um momento por novos players – a maioria deles candidatos a viver um breve momento de caçadores antes de se transformarem em caça.

Vamos relembrar dois casos icônicos: o AOL e o Yahoo!

Criado em 1985, o America Online (AOL) explodiu em valor de mercado e conseguiu incorporar, em 2001, o grupo Time-Warner, na época o maior do planeta em seu setor, dando a falsa impressão que o novo mundo da mídia era mais poderoso que organizações centenárias que por muitas décadas haviam gerado um expressivo flow de negócios. Tanto que o “valor” da nova organização foi calculado em US$ 350 bilhões.

Como todos sabem, não deu muito certo e a nova organização conseguiu fazer o split da AOL no fim de 2009, para não comprometer seu todo, e a operação digital remanescente terminou sendo adquirida no ano passado pela Verizon, uma das gigantes da telefonia móvel nos EUA, pelo valor de US$ 4,4 bilhões.
A mesma Verizon incorporou este ano o Yahoo!, por US$ 4,8 bilhões. Ele havia sido criado em 1994, foi o primeiro megassucesso dos empreendimentos digitais de sua geração, atingindo em 2000 o valor de R$ 125 bilhões (então superior ao da General Motors, que por décadas tinha sido a maior empresa do mundo).

A perspectiva da Verizon, com essas aquisições e as parcerias que fez com a Microsoft e a Hearst Media, é a de maximizar seu potencial de entrada na publicidade e nos serviços de marketing do mobile, que se anuncia como a grande aposta para os próximos anos. O retrospecto do mundo dos negócios digitais, porém, não faz dessa estruturação uma certeza de sucesso. Haverá um espaço para o mobile como mídia publicitária e enabler dos negócios – feitos em seu ambiente, na internet “fixa” e, principalmente, no mundo físico tradicional. Mas a Verizon corre o risco de ver seu sucesso no futuro comprometido pela recorrente autofagia do universo digital.

É importante lembrar, também, que os milionários e até bilionários do digital são estatisticamente marginais, numericamente falando, em relação aos milhões de empreendedores que nunca ganharam nada, tiveram de sair do setor, perderam seus recursos ou estão literalmente no limbo – ganhando o suficiente apenas para permanecer tentando (com mínimas chances de virar o jogo). Vale ainda lembrar que a esmagadora maioria dos lucros que foi para o bolso desses raros vencedores não derivou da geração de riqueza para a economia, mas sim de capital especulativo oriundo do mercado acionário.

Já houve o estouro de uma bolha da primeira geração do digital e há sólidos sinais de que não demora muito surgirá outro – pois o modelo econômico de oferecer serviços gratuitos para a base de usuários e tentar cobrar por serviços premium mostra sinais de fadiga; e a onda de atração de recursos publicitários, que se acreditou avassaladora, vem vivendo uma situação entre perda de ritmo e até de retração.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)