Semana passada, estive reunido um dia inteiro com uma especialista em redes sociais. E foi curioso, quando observando as postagens que recebo na minha timeline, ela comentou: nossa, que coisa caótica! Ou seja, eu recebia informações tão diversificadas e desconexas que ficava difícil definir o que ela chamava de “perfil”. Fiquei bem feliz. Afinal, esse é o meu perfil.

De um curioso compulsivo sobre tudo. Chegam coisas da esquerda e da direita, de gays militantes a homofóbicos raivosos, de petistas moderados a bolsonaristas extremados, de intelectuais inúteis a analfabetos úteis, de protetores quase patológicos de animais a defensores da caça como esporte. Recebo postagens de todos os níveis, crenças, matizes ideológicas e quase sempre presto muita atenção e faço algum comentário.

Naturalmente, para uma especialista em fazer das redes sociais um meio eficaz para ações de marketing deve ser mesmo difícil compreender o que pretende alguém que não faz questão nenhuma de definir uma segmentação. E chegou à conclusão de que desse jeito eu não tenho futuro. Não podia me dar melhor notícia, ao lembrar-me de que construí nestes anos no Facebook um mosaico de “amizades” que me descortina uma visão pluralíssima da sociedade e, por isso, funciona como um alerta permanente contra o risco de eu fazer da rede social uma máquina de retroalimentação “filosófica”.

A formidável escritora ucraniana Svetlana Aleksiévitch escreveu a respeito de sua obra O fim do homem soviético: “Não faço perguntas sobre o socialismo, mas sobre o amor, o ciúme, a infância, a velhice”. Bem como o seguinte: “Eu sempre sinto atração por esse pequeno espaço: o ser humano… um ser humano. Na verdade, é lá que tudo acontece”. E, pensando assim, concebeu uma obra-prima sobre política. Porque abandonou a tendência de seguir os caminhos previsíveis da investigação acadêmica e optou por escutar sentimentos. No mundo dos negócios, ainda temos muito de avançar nesse campo. Presos a formatos investigativos que prezam pelo “foco” em objetivos determinados impositivamente pelos briefings, dificilmente alcançamos alguma informação relevante, no sentido de ampliar os horizontes de percepção. Já temos as repostas de antemão.

Por isso, não perguntamos o que não está no script. Não queremos outras respostas, além daquelas para as quais já formatamos os nossos planos de ação. Ninguém prestaria atenção em alguma coisa nova, pois os processos têm de andar com agilidade. No final das contas, trabalhamos com o firme propósito de nos convencermos de que os nossos raciocínios estão corretos, comprovados na aplicação de metodologias consagradas. Essa permanente retroalimentação permite um desenho mais ou menos acabado do que é o “mercado” para efeito de nossas ações sobre ele, seja comprando, seja vendendo, seja formando ou contratando. Tudo é apresentado para ser percebido como de um encaixe óbvio.

Como no sistema todos precisam uns dos outros, “afina-se” o olhar para verem todos a mesma coisa. Daí a permanente forja para o enquadramento, tanto na academia quanto na atividade profissional. Talvez seja funcional. Não sei se é divertido.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimir@gmail.com)