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Quando um recurso, uma música ou um tema tornam-se muito populares, eles rapidamente caem nas graças não só do público, mas também do mercado publicitário. Quantas campanhas já foram feitas utilizando o hit Happy, de Pharrell Williams, por exemplo? Quantas outras não estão sendo lançadas nos últimos tempos utilizando o ASMR, sigla para Resposta Sensorial Autônoma do Meridiano, em português (modalidade de vídeo que ganhou notoriedade no YouTube e foi utilizada no Brasil, só no último mês, pelas marcas Popeye’s e Bohemia)?

A última ferramenta que vem ganhando notoriedade em campanhas gringas é a utilização de testes de DNA que descobrem a ancestralidade global dos indivíduos. O objetivo é promover marcas e ações que pregam, de forma positiva, a diversidade social entre pessoas de uma mesma região, entre países ou até mesmo entre diferentes nações do mundo – sempre reforçando a importância de uma sociedade mais inclusiva.

Em campanha viral criada pela Ogilvy Latin America para a AeroMexico, a companhia aérea passou a oferecer descontos em voos dos Estados Unidos para o México de acordo com a porcentagem de ancestralidade de cada passageiro – por exemplo, se um passageiro possui 30% de herança mexicana, ele tem 30% de desconto no valor da passagem.

Com tensões entre os dois países acentuadas principalmente nos últimos anos, com as políticas do governo de Donald Trump, a agência e a empresa se questionavam como fariam para aumentar os voos para o país latino e acreditavam que essa aversão aos vizinhos, por parte dos Estados Unidos, se deve ao fato de que muitos americanos desconhecem que compartilham raízes mexicanas – mesmo com a enorme quantidade de imigrantes que os Estados Unidos recebem desde meados de 1800.

Para promover a ativação, que era válida para os estados do oeste americano (região que mais recebeu imigrantes mexicanos durante a história), uma equipe foi até a cidade de Wharton, no Texas, para saber a opinião dos moradores sobre o México. A maior parte dos entrevistados afirmou não gostar da nação e não ter nenhuma intenção em viajar para lá. No entanto, todos eles concordaram em fazer um teste de DNA, sem saber previamente com qual objetivo, e só souberam os resultados de sua ancestralidade em frente às câmeras. O vídeo final é surpreendente para os personagens e para o público. Confira:

Para John Raul Forero, CCO da Ogilvy Latam e VP de criação da Ogilvy Colômbia, responsável pelo time que idealizou e operacionalizou a campanha, a ideia faz sentido porque tem dupla finalidade: responder ao desafio proposto e reforçar o posicionamento inclusivo da marca. “Outro aspecto que levamos em consideração é que existe uma tendência de pessoas que viajam a locais que fazem parte de sua genealogia de acordo com esses testes de DNA. Isso nos fez perceber que tínhamos em mão uma grande descoberta”, conta.

O vídeo já acumula mais de um milhão de visualizações no YouTube e recebeu cobertura dos principais veículos do mundo, como CNN, Daily Mail, New York Post e Fox News.

Outro famoso exemplo da utilização do recurso de ancestralidade pela publicidade é uma campanha de 2016 que é compartilhada nas redes sociais até hoje. Na época, o Momondo, website de comparação de voos, hotéis e carros para aluguel, lançou a plataforma Let’s Open Our World (Vamos Abrir Nosso Mundo, em português) com o intuito de promover o interesse e a tolerância de pessoas com culturas e povos diferentes dos seus. O vídeo, que até o momento acumula mais de 18 milhões de visualizações, mostra pessoas de diferentes etnias, que se definiam, de forma até mesmo extremista, como orgulhosas de suas nacionalidades, descobrindo novas origens de forma emocionante. Relembre:

APELO

Mas por que esse tipo de conteúdo faz tanto sucesso?

Para o professor doutor Fred Lucio, coordenador da ESPM Social, ao mesmo tempo em que a globalização diminui as fronteiras entre Estados, ela acentua a identificação de grupos locais, fato que é reforçado pelas mídias sociais. “Quando se cria algum tipo de unidade, surge também uma rivalidade, porque aí são excluídos outros grupos de pessoas que não fazem parte do seu círculo”, pondera o docente.

Historicamente, há um ciclo de conflitos sociais que ora seguem mais ou menos adormecidos e ora se intensificam de acordo com questões políticas; com a relação entre identidade, que é algo permanente, contra elementos culturais, que são mutáveis e flexíveis de acordo com cada geração; e por conta de múltiplas etnicidades em um único território.

Ainda segundo Lucio, a crise mundial de 2008 gerou impactos não apenas econômicos, mas também sociais que levaram a guerras e, posteriormente, crises migratórias – principalmente na Europa.

Especificamente no Brasil, as manifestações de 2013, o impeachment da ex-presidente Dilma em 2016 e as últimas eleições presidenciais influenciaram no imaginário do que deveria ser combatido, polarizando o país. “Os Estados Unidos, por exemplo, nunca perderam seu caráter nacionalista. No Brasil, isso vem renascendo. A divisão não é um problema, ela é interessante e necessária. O que preocupa são os nichos ultraconservadores, que pregam, em muitos casos, exatamente o que é contrário à diferença: a intolerância, o racismo, a xenofobia. Ainda fazendo um paralelo com os americanos, temos a KKK como o grande retrato desse cenário”, explica o professor.

“A gente não pode pensar que na união não haverá uma fragmentação – até em famílias isso acontece. No entanto, o desafio é acentuar o importante papel das diferenças sem intolerância, porque é assim que temos diversidade”, alerta Lucio.

Nesse sentido, o que gera o grande apelo dessas campanhas junto ao público, ultrapassando barreiras geográficas, é justamente o fato delas retratarem a possibilidade de um mundo, de certa forma, mais justo.

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ANCESTRALIDADE

Segundo conta Ricardo di Lazzaro Filho, médico geneticista e cofundador do laboratório Genera, os testes de DNA de ancestralidade foram inicialmente desenvolvidos com o propósito de mapear os processos migratórios e a evolução dos seres humanos.

Nos anos 2000, percebeu-se, no entanto, uma curiosidade das pessoas em remontarem as próprias origens, e ele passou a ser oferecido às pessoas. O médico comenta ainda que, apesar de não ser um exame barato (um teste pode ser realizado por R$ 700, em média), o recurso vem ganhando cada vez mais adeptos. “Há cerca de dois anos a ancestralidade é um tema em alta em muitos países, e acredito que deva se tornar um boom também por aqui nos próximos anos”, prevê.

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A Genera, que oferece esse serviço no Brasil desde 2014, tem parceria com a consultoria de viagens Teresa Perez Tours, que comercializa pacotes personalizados de acordo com os resultados de cada teste. A empresa já realizou também testes para programas de TV e se diz aberta a parcerias com a mídia e empresas, com o intuito de promover o recurso. “99,9% de nossos DNAs são idênticos. O que nos difere são muros sociais, e não biológicos, por isso é fantástico poder disseminar uma ferramenta que faz com que pessoas se identifiquem de forma ampla”, reforça Filho.

“O teste de DNA é um recurso como muitos outros utilizados na publicidade. No caso da AeroMexico, ele não foi a ideia, ele foi uma forma de entregar soluções para o negócio de nosso cliente e, ao mesmo tempo, demonstrar a milhares de pessoas que nós temos muito em comum, o que vai de encontro aos valores da marca”, afirma o executivo da Ogilvy.