Para a executiva, todo esse brilho é fruto de trabalho, talento e boa organização, o que torna a rotina de mais de 200 funcionários e clientes saudável e produtiva. 

Taurina de 24 de abril e carioca de nascimento, Joanna Monteiro, CCO da FCB Brasil, afirma ser de “muitos lugares” do país. Ela explica: “Meus pais são pernambucanos, eu nasci no Rio, mas moramos em São Paulo, Salvador, onde me alfabetizei, e Brasília. Tudo por conta do trabalho deles. Meu pai é sociólogo e minha mãe, filósofa. Essas viagens e mudanças todas foram legais porque tivemos de aprender a nos adaptar, ganhamos conhecimento. Entendo porque tem muita gente com dificuldade em compreender o Brasil mais profundo, que eu conheço bem”, garante. Aos 48 anos, Joanna, que tem uma trajetória de brilhos na publicidade, também se orgulha da irmã, mais velha, a jornalista Mariana Monteiro. Ela trabalhou muito tempo com cultura, depois com Alberto Dines e Paulo Henrique Amorim, na TV Cultura. Hoje está na TV Câmara, conta.

 

Mas o assunto aqui é a carreira da executiva, que começou como estagiária, como redatora na área de criação, em 1996, e alcançou a FCB Brasil, uma das maiores redes globais de agências de publicidade, em setembro de 2012. “Vim para cá porque avaliaram meu perfil, meu jeito de trabalhar estratégico, sou boa gestora. Também sempre fui bem com clientes, um comportamento conhecido no mercado. Cheguei como diretora-executiva de criação. Depois eu trouxe Max Geraldo para compor a minha dupla, que também chegou como diretor-executivo de criação. Nós dois, mais tarde, nos transformamos em VPs de criação.

 

Joanna conta que o convite para ela aportar seus conhecimentos na FCB foi feito por Pedro Cruz, então CCO, cargo que ela ocupa desde 2015. “Esse lugar acabou sendo conquistado graças ao pensamento criativo desses seis anos”, diz. Só para fins de esclarecimento, Pedro Cruz é CCO e COO na mesma FCB Brasil e, diga-se, ele acertou ao escolher Joanna Monteiro para fazer parte do time.

 

Quase um ano depois da assinatura do contrato com Joanna houve uma mudança grande na FCB. A controladora da holding anunciava, no começo de 2013, que Carter Murray se juntaria oficialmente ao business e se tornaria o diretor-executivo, o chefão de todos. “A gente já vinha trabalhando em uma transformação criativa. Mas a chegada do Carter refletia muito aqui no Brasil porque haveria uma alteração grande no objetivo do negócio. Basicamente, ele quer o que todos queremos: fama e fortuna. O desejo era que o trabalho criativo tivesse um protagonismo que antes não existia e isso significava subir a barra criativamente de forma real. Fosse feito o que fosse preciso para que isso acontecesse”, ela se lembra.

A situação era desafiadora. “Sou mulher, não era famosa, tinha uma reputação criativa sedimentada, mas não cases premiados. Precisava montar uma equipe que me ajudasse, fazendo do jeito que acredito. Curiosamente, nunca estive em agências que inscreviam trabalhos em prêmios, não tinha esse background, não foi essa a minha escola, que era mais estratégica”. Mas talentosa que é, Joanna aprendeu bem rápido o recado.

 

Desde que chegou à FCB, Joanna não para de colecionar prêmios – 40 Leões no Festival de Cannes e um Grand Prix na categoria Mobile em 2014 – e títulos – em 2014, ficou em primeiro lugar na lista das 30 mulheres mais criativas da publicação americana “Business Insider”, sendo a única brasileira a compor esse elenco desde que existe; foi “Woman to Watch” pela “Advertising Age” e incluída na lista “Creativity 50” pela Ad Age; também foi presidente do júri de Mobile em Cannes em 2015. No ano seguinte, foi presidente de Mídia Integrada & Inovadora na D&AD e, desde 2017, faz parte do board consultivo da D&AD.

 

A executiva cita algumas campanhas que, para ela, são inesquecíveis pelo alcance que obtiveram, como “Nivea Doll”, “De Real para Realidade” (para Estadão Digital) e “O Desconhecido” (Festival do Clube de Criação).

 

Outras escolas

Pedro Cruz e Joanna já se conheciam da Africa, onde trabalharam e de onde ela saiu para a FCB Brasil. Naquele momento de negociação,  a executiva conta que Pedro deixava de ser VP de Planejamento para assumir a cadeira de CCO e queria alguém na criação que estivesse de acordo com o que imaginava ser uma agência ideal. “Construímos isso mais ou menos juntos, baseados na crença de que não existe um departamento que tenha mais protagonismo que o outro. Queríamos grandes lideranças respeitadas em todos os departamentos, de forma a ter não só uma integração de todos, mas uma convivência mais produtiva. Vem daí ele achar o meu perfil adequado.”

 

Nesses seis anos, Joanna conta ter conseguido realizar o que sempre acreditou, ou seja, ser uma das lideranças de uma agência “mais horizontal”. “Aqui as contas não são divididas, não há núcleos. Eu não queria sofrer o que sofri em outras agências, não queria que
aqui houvessem pessoas descontentes porque o job entrou para outro profissional porque isso ou aquilo. Aqui não tem isso. Desde que haja um trabalho legal e positivo, as chances de ser bom para todos é enorme porque ninguém é dono de conta nenhuma.
Isso faz diferença, resultando em um ganha-ganha. Os clientes
ganham porque sempre há pessoas novas, com sprint criativo melhor, eles não recebem sempre a mesma coisa. E é bom para a dinâmica da empresa”, ela afirma. “Fazemos imersão em todas as marcas pelo menos duas vezes por ano com todos os criativos justamente para garantir nenhum desconforto ao cliente e ele receba sempre o melhor.”

 

Outra situação que ela pontua é que nenhum dos 220 funcionários da FCB Brasil se mata de trabalhar. “Quando o trabalho é dividido em grupos há picos de trabalhos. Mas isso é antigo e não existe aqui, o que acaba resultando em pontos relevantes, como respeito aos fins de semana e à carga horária. Vale dizer que esta agência paga hora extra porque tem relógio de ponto. Nenhuma outra tem e, se tem, não usa. Fato. Isso só funciona graças à organização e acho que é um baita de um ganha-ganha para todos”, reforça.

 

Formada em artes plásticas pela UnB, Joanna Monteiro sonhou em ter uma escola de artes para crianças. Mas, ainda que vagamente, naquela época também sonhava com publicidade. Só que sofreu influências externas, com pessoas dizendo que o ideal seria fazer qualquer outro curso, menos publicidade, para adquirir uma formação “melhor, mais aberta, mais plural”. Ela conta que, caso optasse pela publicidade como carreira, aprenderia o que tivesse de aprender em uma agência, quando “colocasse a mão na massa” finalmente. “Na minha casa, a gente podia fazer o que quisesse desde que estivesse estudando.”

 

Graduada e com o certificado de licenciatura, passou a dar aulas de história da arte, em Brasília, mas, quando descobriu que teria de repetir o mesmo assunto no ano seguinte, fraquejou. “As crianças passariam de ano e eu continuaria com a mesma conversa. Fiquei
extremamente incomodada.” Já intuía sua criatividade, mas o mundo gira e, às vezes, dá muitas voltas até encontrar o próprio eixo. No caso de Joanna, foi assim. Ao se deparar com seu fracasso natural para ministrar aulas, correu atrás da publicidade. “Gostava de propaganda, do resultado, do produto criativo, mas aquilo era um mistério para mim.”

 

Obstinada, como a maioria dos taurinos, a jovem Joanna tomou
a providência de deixar Brasília (e um namorado por lá) com destino a São Paulo a fim de fazer pós-graduação em publicidade e propaganda na queridíssima ESPM. “Sempre adorei São Paulo, tenho
amigos da escola até hoje, desde os meus tempos de Vera Cruz, onde fiz a sexta série. Também tinha o conforto de ter na cidade duas tias universitárias que circulavam com José Serra e Fernando Henrique Cardoso.”

 Durante seis meses, Joanna se dedicou aos estudos e até conseguiu um estágio com Sergio Lopes. No entanto, quis o destino que o namorado de Brasília ganhasse uma bolsa do British Council e
a desejasse a seu lado em Londres. “Tranquei a pós, vendi o meu carro, me despedi do estágio e fui fazer curso de inglês e de propaganda. Em Londres, tive meu primeiro contato com o D&AD, que, para mim, é inesquecível. Foi a Cristina Carvalho Pinto, que era presidente da Young, quem me deu a dica. Ela nem deve se lembrar disso. O D&AD era um clube de criação, havia a possibilidade de um estágio, mas naquela época a gente não tinha as ferramentas que temos hoje. Ou seja, sem um diretor de arte, um redator não fazia nada. Isso sem contar que eu ainda nem sabia direito ainda como a coisa funcionava”, recorda-se.

 

Depois de um ano em Londres, com paradas na Itália para estudar o idioma e história da arte, Joanna voltou para o Brasil e instalou-se novamente em São Paulo. “Consegui estágio graças a um prêmio que conquistei do clube de criação daqui, que se chamava Caça Talentos. Desenvolvi um briefing, eles aprovaram e me perguntaram em qual agência eu gostaria de trabalhar. Disse: DPZ.” Mas não foi daquele vez que a jovem publicitária dividiria espaço no que foi
considerado o “Olimpo da Propaganda”. Joanna Monteiro entrou para a carreira pelas portas da  Ogilvy, em um estágio. “Fiquei lá um ano, um ano e pouco, até a saída do Clovis Calia, que foi montar a Calia Assunção e me levou.” Mas sua estadia com Calia não durou muito e ela foi demitida.

 

Sem emprego e cheia de energia, Joanna entrou em contato com Ruy Lindenberg, à época na DPZ, pedindo estágio. Conseguiu e ficou nessa situação meses e meses – no meio do caminho, ela foi fazer outro estágio na Espanha – até ser efetivada na gloriosa DPZ. “Fiquei dois anos na agência, até o momento em que Ruy saiu para se dedicar a um ano sabático. Eu trabalhava no andar do Zaragoza,
o sexto andar, um andar incrível, com pessoas incríveis.”

 

A saída de Ruy da DPZ anunciava para Joanna que era hora de “rodar a pasta”, para usar um jargão publicitário. “Fui a muito poucos lugares, inclusive na W-Brasil, onde mostrei minha pasta para Rick Freire, que é um gênio. Ele já estava na história de deixar a propaganda para se dedicar ao turismo – Ricardo Freire é o criador do site Viaje na Viagem.” Freire tinha visto um filme que Joanna havia feito para a Nestlé e aprovado o resultado – tratava-se do lançamento da embalagem que dispensava os abridores de lata. “Ele não me contou que estava deixando a agência, mas disse que queria me levar para lá. Passado um tempo, o Washington (sim, o Olivetto) me telefonou. Achei que era trote.”

 

Só que não. Ele estava de olho no trabalho de Joanna e a convidou para trabalhar na W-Brasil. “Fui contratada junto com outras duas pessoas. Foi a primeira vez que ele contratou gente nova e isso é relevante porque a W/Brasil era formada por sêniores. Pagava-se muito bem e, nessa época, havia mulheres na criação muito talentosas”, ressalta.

 

Ficou na W até 2002, quando foi para a África, no início da agência, quando era apenas uma sala alugada – Joanna orgulha-se em dizer que foi a primeira redatora da África. “Conheço bem o DNA da agência, eu me casei na Africa, tive minha filha na Africa. Fui uma das primeiras a ficar grávida na empresa e eu dei de mamar até os nove meses da Anita. Eles eram muito respeitadores, se eu saísse por qualquer razão era porque precisava sair. Essas coisas nunca foram questionadas. Foi até criado um espaço para eu poder tirar o leite com tranquilidade. Nizan e Gordilho sempre foram muito bacanas, e eu era pau pra toda obra. Atendia Folha de S.Paulo, um pedacinho da Parmalat, Brahma, depois Vivo e Itaú. Existe um aprendizado interessante no nascimento de uma agência e de uma agência que já nasce poderosa, com um cara que, naquele tempo, já era o Nizan.”

 

Joanna conta que os publicitários estavam fazendo campanha política quando a chamaram para fortificar o time. “Óbvio que eu queria trabalhar com eles.” Foi com esse espírito entusiasmado que ela ajudou na campanha do então candidato José Serra à Presidência do Brasil – disputa travada com Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu o governo no ano seguinte. “Trabalhei de forma muito dinâmica porque fazer campanha é assim: a gente escreve, o cara grava e está no ar. Hoje não faria pela minha idade, pela loucura que é, mas gosto muito.” Dentro do grupo ABC, com 18 empresas, entre elas a Africa, se passaram dez anos na vida da publicitária, sempre na criação, hora como redatora, hora como diretora.

 

Bem, Joanna se separou do pai de Anita, hoje com 11 anos. Namora com o dentista Paulo Leme, pai de Tom, de 9 anos. “Meu namorado também é cientista, tem patentes, sócio na Suíça, e entende muito bem as maluquices das paixões profissionais. Publicidade é isso, precisa ter paixão, o que é muito legal porque tem nos motivado a fazer coisas que vão além da publicidade tradicional. A FCB é uma agência jovem e criativa.”

 

Mundo corporativo

A área de criação é majoritariamente masculina. Mas nem sempre foi assim, de acordo com Joanna. “Havia muitas mulheres talentosas na criação, não era essa coisa gritante de hoje.” E a executiva tem a tese de que os grupos femininos se distanciaram da criação porque o trabalho não era técnico. “Não era sobre o resultado do trabalho. Você chegava e seu job tinha sido entregue para outra pessoa que havia ficado a noite toda fazendo, isso sem falar nos grupos e nas conversas, que eram masculinas. O assédio era grande em todas as agências”, afirma. Em resumo, um esquema massacrante. “Não era sobre trabalho, era sobre quem era do grupo de quem, uma competitividade muito pouco saudável.”

 

Ela conta que, não raro, as mulheres eram tachadas de mal-humoradas porque, segundo os homens, elas não entendiam as piadas, que eram “machistas”. “A gente não tem humor para determinadas coisa, não é? Eles nunca entenderam isso. Por isso, acho que muitas largaram a publicidade.” Será que Joanna já sofreu algum tipo de assédio? “Uma vez, eu estava em uma reunião e o Washington pediu para eu providenciar o almoço. Obviamente, essa tarefa cabia à mulher. Não me lembro se pedi ou não. Talvez eu tenha pedido e apagado da minha memória. Não lembro. Nunca me submeti a nenhuma questão de humilhação, mas, como sempre fui engraçada, tirava na base da brincadeira.”

 

Esse tipo de situação – e outras bem piores – vem mudando desde que começou, nos Estados Unidos, um movimento por qualidade, por respeito, por condições melhores de trabalho. “Quando essas questões têm a ver com lei, que é recente, os caras começam a perder trabalhos, começam a ser demitidos. Vai demorar muito para as mulheres voltarem para essa profissão, que tinha um ambiente nocivo, que impactava, inclusive, na qualidade dos produtos, muitos deles machistas.”

 

Ainda bem que o jogo começa a ser outro, ainda que tenha mentes masculinas que, infelizmente, estão inadequadas ao mundo contemporâneo por várias razões que não cabem aqui. Como a própria Joanna diz, o respeito às diferenças e a horizontalidade dos processos da FCB ajudam (e muito) a tornar o escritório um ambiente saudável, com regras claras para atender bem ao cliente e dar também satisfação aos funcionários, que não são submetidos a cargas horárias exaustivas ou situações constrangedoras, como concorrência interna nociva. Essa é uma excelente notícia para todas as mulheres desta geração de profissionais e da próxima. Assim esperamos.