O dia 5 de abril de 2016 ficará marcado para sempre em nossas memórias. Pela primeira vez, um veleiro brasileiro atracou na China. Em Xangai, fomos recebidos solenemente por autoridades chinesas e brasileiras e pela imprensa. E, a partir de então, um novo mundo se revelou (maravilhosamente) para todos nós. Foi muita emoção! Foi um momento de extrema importância! Fiquei pensando e viajei memorizando os momentos que vivemos 22 anos atrás, quando chegamos da nossa primeira circum-navegação. Inevitável, num momento tão importante, não fazer uma outra viagem. Uma viagem pelo tempo, pelas lembranças que nos remetem ao princípio de tudo isso. E, assim, somos levados pela memória a meados dos anos 1990!

Depois de dez anos vivendo no mar, entre 1984 e 1994, quando realizamos a primeira volta ao mundo de uma família brasileira a bordo de um veleiro, retornamos ao Brasil decididos a realizar uma nova aventura. Decidimos que seguiríamos o rumo do grande navegador Fernão de Magalhães. Para isso, incluímos nos preparativos um estudo profundo na história. Naquele momento, uma coisa nos intrigou: Magalhães suspeitava que houvesse uma rota para as ilhas das especiarias, via uma passagem ao sul das Américas. Ele argumentava que detinha um mapa que provava a existência deste canal. Veio então nossa curiosidade: como ele teve acesso a essa informação, que não era mencionada em nenhum documento oficial? Por que ele decidiu invernar na Patagônia e teve que enfrentar um motim a bordo? Como é que ele persuadiu o rei da Espanha a financiar cinco naus?

Sem perceber tão claramente o que o futuro – ou nosso espírito aventureiro –reservava-nos, em 1997, partimos para outra grande aventura: a Expedição Magalhães Global Adventure, que foi acompanhada por milhões de pessoas no Brasil e em mais 43 países, via internet e TV, por meio de quadro especial, exibido no Fantástico/Globo. Depois de quase dois anos e meio no mar, voltamos ao país, chegando em Porto Seguro, na Bahia, no dia 22 de abril de 2000, para participar das comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, e sendo recebidos pelos então presidentes do Brasil e de Portugal, imprensa internacional e cerca de 3 mil pessoas.

Mesmo tendo realizado e concluído a Expedição Magalhães Global Adventure, aquela curiosidade permanecia. Até que, em 2002, Gavin Menzies, um ex-oficial da Marinha inglesa, publicou uma tese, exposta no livro “1421: O Ano Em Que a China Descobriu o Mundo”, que poderia fornecer a resposta para a nossa pergunta e, tempos depois, inspirar a atual Expedição Oriente que nos traria finalmente – e pela primeira vez em 32 anos de aventuras pelo mundo – à China. Na publicação, Menzies apresenta pesquisas e evidências e revela a polêmica teoria de que os chineses foram os precursores das viagens de descobrimentos. Segundo a tese, os navios chineses teoricamente aportaram na América 70 anos antes de Colombo, circum-navegaram o globo um século antes de Magalhães, descobriram a Antártica e chegaram à Austrália 320 anos antes de Cook.

Os chineses, no século XV, portanto antes das navegações dos portugueses e espanhóis, eram exímios navegadores com conhecimento avançado de navegação astronômica. O século XV foi de uma extraordinária importância para a história da humanidade. No Oriente, as sociedades feudais da China e do Mundo Islâmico iniciavam a sua decadência com as lutas internas intermináveis. No Ocidente, a Europa saindo do atraso para a modernidade com a construção das caravelas. Com o avanço econômico e religioso, as caravelas iniciaram a navegação em águas por onde os juncos chineses já singravam a mais de um século. Quando Vasco da Gama chegou no Índico, as expedições de Zheng He já eram recordações históricas.

Inspirados nesta teoria e suposto fato histórico, começamos a nos dedicar à Expedição Oriente. Foram três anos de planejamento, incluindo difícil missão de captar de recursos na busca de empresas que acreditassem no nosso sonho. Esse tipo de projeto, comum em outros países, não é comum no nosso. Por isso, muitas empresas têm receio de embarcar em algo diferente como um projeto desses, preferindo investir em futebol ou esportes e eventos que já são a norma. Assim, ficamos muito contentes quando Estácio, HDI Seguros e Solví decidiram abraçar algo inovador como a Expedição Oriente. Depois, outro desafio: dois anos e três meses trabalhando na construção de um veleiro tão inovador e sustentável como é o nosso veleiro Kat. Tudo pronto, hora de zarpar!

Partimos de Itajaí, Santa Catarina, no dia 21 de setembro de 2014. Durante aproximadamente 19 meses, navegando por mares e oceanos, passando por lugares incríveis e distintos, entre eles, Punta Del Leste e Piriapolis, no Uruguai; Mar Del Plata, Puerto Deseado e Ushuaia, na Argentina; Antártica; os fiordes da Patagônia chilena e a Ilha de Páscoa; Taiti e Bora Bora, na Polinésia Francesa; Nova Zelândia; Barreira de Corais, na Austrália, e Okinawa, no Japão. E foi justamente do Japão, que também era novidade nas nossas aventuras, que partimos rumo à inspiração máxima da Expedição Oriente.

De Okinawa até Xangai, navegamos 523,2 milhas em 75 horas e 14 minutos. A 150 milhas de distância de Xangai, encontramos a maior dificuldade. Tivemos que desviar inúmeras vezes de navios, embarcações de pesca, boias com espinheis e redes. Em um determinado momento, contamos 38 embarcações concentradas, uma do lado da outra arrastando suas redes. Algumas redes e espinheis são sinalizadas com luzes vermelhas e verdes, mas outras, somente com boias pretas que, à noite, ficam “invisíveis”. Essa perna, como chamamos no meio náutico, foi muito cansativa, exigindo atenção extrema, o tempo todo. Mesmo assim, chegamos a pegar um espinhel, que engatou em um dos lemes. Depois de algum tempo, conseguimos desvencilhar. Mas se tivesse engatado na quilha de 5,20 metros, teríamos que mergulhar para cortar os cabos, mesmo com visibilidade praticamente nula.

Superados os obstáculos, chegamos em Xangai! Pela primeira vez em 32 anos de navegação, fizemos 45 milhas da foz do estuário, BeicaoShuidao, até o centro da cidade em fila indiana! Uma embarcação atrás da outra, a uma velocidade de 10 a 11 nós, num movimento frenético de vai e vem de embarcações por todos os lados. São mais de 1 mil embarcações de pequeno, médio e grande portes, que saem e entram nos dois canais de acesso. O do Norte é para embarcações. É mais profundo e dedicado às de maior porte. O do Sul, onde o movimento é maior, tem calado de 12 metros. Os dois canais de acesso se convergem e a movimentação dobra. Todas as embarcações estrangeiras que entram no porto são obrigadas a ter a bordo um prático. São 350 práticos que operam neste porto. O porto de Xangai é o maior do mundo. Quando tem neblina ou tufão, as embarcações são obrigadas a ancorar ou sair mar afora.

Nos meses que antecederam nossa chegada, seguimos todos os trâmites necessários, claro. Neste momento, fomos informados que o veleiro Kat seria o primeiro veleiro brasileiro a atracar em um porto chinês e que, nos últimos cinco anos, apenas dez embarcações estrangeiras desse tipo conseguiram essa permissão. Esse fato histórico nos enche de orgulho – além de toda a emoção sentida, por estarmos, finalmente, no “berço” da Expedição Oriente. Por cerca de um mês, nos dedicamos a aproveitar ao máximo a experiência de conhecer uma cultura tão distinta como a da China, contando com o apoio fundamental da Embaixada da China no Brasil, do Consulado Brasileiro em Xangai e de demais instituições chinesas.

Por aqui, visitamos, por exemplo, o Museu Marítimo, que tem várias réplicas de juncos chineses e uma em tamanho original: 30 metros de comprimento com mastros e velas. Encontramos toda história das navegações chinesas, principalmente, as realizadas pelo grande navegador Zheng He. Entrevistamos historiadores e professores chineses, que nos contaram sobre as navegações oceânicas e a suposta circum-navegação dos chineses antes dos europeus. Também visitamos a cidade de Nanquim, capital da China por um período, onde eram construídas as grandes embarcações, que chegavam a ter 125 metros durante o reinado Zhu Di (período de 1403-1424) e do imperador Xuan De (1426-1435). Nossas aventuras pela China encerram-se em Hong Kong, 800 milhas de distância de Xangai.

Explorando muitos lugares, conhecendo novas – e encantadoras – pessoas, superando barreiras culturais e linguísticas, a China nos conquistou definitivamente. E se você quiser uma sugestão para as suas próximas férias, no calor da emoção e de tudo que acabamos de vivenciar, indico: CHINA! E lembre-se: não estou dizendo que é simples. É longe, o dólar está nas alturas etc., mas a gente acredita que este é um sonho possível de realizar. Então, que tal começar a planejar essa aventura?