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Um episódio de 2005 me veio à cabeça quando me chamaram para escrever sobre este tema, uma palestra do Wilson Mateos. 

Não me lembro do conteúdo, mas na hora das perguntas veio aquela inevitável sobre inspiração e processo criativo.

Ele respondeu na lata: quanto mais boletos, mais criativo eu fico. Quebrou mitos.

Não era o que ninguém queria ouvir, mas achei representativo demais.

Do alto do palanque, Wilson me deu algo com o que me relacionar, já que em breve eu também teria de me virar para pagar os meus boletos.

Se isso não é inspiração, não sei o que é.

Ainda em Brasília, eu e outras amigas da criação ouvíamos a lenda de mulheres que estudaram na nossa universidade e estavam construindo carreiras interessantes: Joanna Monteiro e Ana Castello Branco.

Falava-se delas como se fossem unicórnios. Eram mais como tigres albinos, bem raros, mas com provas irrefutáveis da existência.

Em São Paulo, logo no meu segundo emprego, tive uma chefe, sócia da empresa. Só conseguia pensar “que legal uma mulher no comando da criação”.

Senti esse encantamento por todos os dias nos 3 anos em que trabalhei com a Suzana Appelbaum.
Quem menospreza o valor da representatividade, provavelmente sempre foi representado onde importava.

Há pouco tempo fui mediar uma conversa com a Rachel Maia, uma das poucas CEOs negras no Brasil.

Da plateia,… veio uma pergunta mais ou menos como a que fizeram pro Wilson anos atrás, e ela respondeu sem piscar. “O que me move é sentar na cadeira da liderança”.

Pausa dramática no evento fechado só para mulheres.

Ver uma mulher dizendo que nasceu para comandar o barco é poderoso demais.

A gente precisa de mais declarações assim para se inspirar.

Pensando no trabalho em si, o papel de quem lida com construção de marcas agora é muito mais interessante do que era há poucos anos.

As pessoas esperam que as empresas produzam impactos sociais positivos. E têm ferramentas para cobrá-las disso.

Há algumas semanas, uma grande rede de petshop parou de comercializar animais por pressão de uma ativista e seus seguidores. As possibilidades são infinitas e existe muito espaço para realizar, mesmo longe dos modelos tradicionais.

O Papel e Caneta publicou uma lista de pessoas e iniciativas provando isso.

Para quem gosta de resolver problemas, pouca coisa inspira tanto quanto a necessidade de transformação.

Também acredito que o fazer sempre vai ser mais recompensador do que o pensar. E este presente a tecnologia nos deu.

Hoje é viável colocar uma ideia na rua sem uma grande estrutura por trás.

A revolução dos creators mostra isso.

Funciona para o bem e para o mal.

E mesmo quando vai mal, volta cheio de aprendizados.

Por muitos anos, achei difícil encontrar inspiração dentro do trabalho.

Acreditei que essa mágica que nos alimenta só existia do lado de fora.

Viajando, vivendo, fazendo tudo que todo mundo sabe que traz inspiração. 

Hoje não acho mais que se limite a isso.

Trabalhar com pessoas diferentes, que me desafiam, me questionam e me ensinam sobre trabalho e sobre a vida, de maneiras que eu jamais aprenderia se elas não estivessem tão dispostas a me emprestar seus olhos e seus sapatos, faz toda a diferença.

Participar de um ambiente plural, onde todo mundo quer e pode ser ouvido, é a mais inspiradora das viagens.

Daniele Marques é sócia e CCO da agência Bold