Se no passado falar de telecomunicações significava abordar duas áreas estanques – a TV por assinatura e a telefonia – hoje já não é mais possível saber ao certo onde começa uma e termina a outra. As duas áreas convergem cada vez mais. Players como NET, Claro, Vivo, Oi e GVT, hoje, oferecem serviços de banda larga – são empresas mais tradicionais, que disputam o mercado com provedores que oferecem seus serviços através da banda larga.

Samuel Possebon, especialista nesse mercado, afirma que a competição com os chamados serviços over-the-top (OTT) é o grande desafio das empresas e do mercado de telecomunicações tradicional, pois são empresas com outra equação de custos, receitas, barreiras de entrada e restrições regulatórias que, em essência, estão fazendo a mesma coisa. “Trata-se de uma grande mudança de paradigma de modelos de negócio, tecnologias e regulamentação”, analisa.

Serviços de TV por assinatura como NET e SKY passaram a ter concorrentes que só operam na internet, como Netflix, o Sony Vu ou o HBO Now. “São todos serviços de TV por assinatura que competem com os serviços tradicionais. A NET e a SKY precisam construir rede, contratar satélite, investir na compra do decodificador, pedir uma outorga na Anatel, cumprir uma série de obrigações de direito do consumidor, pagar impostos no Brasil etc. Já Netflix, HBO Now, Sony Vu e similares não precisam de nada disso. Eles simplesmente estão disponíveis pela internet, basta que o usuário tenha uma conexão de banda larga. Para não falar de serviços gratuitos (e piratas) como Popcorn Time, que fazem a mesma coisa (ou muito similar) que provedores de TV por assinatura tradicionais a um custo zero para o consumidor”, comenta Possebon.

Na telefonia, mais desafios: se antes se pagava por cada torpedo enviado, hoje serviços como o WhatsApp, iMessage e similares fazem esse papel via banda larga. No lugar de telefonar, é possível conectar-se com alguém via Skype ou FaceTime, sem pagar um tostão. No ano passado, o Facebook adquiriu o WhatsApp por US$ 16 bilhões, e sabe-se que entre os planos está o de viabilizar ligações via internet realizadas pelo app – recurso já liberado para um pequeno número de usuários com smartphones Android e Blackberry. “A operadora de telefonia compete com empresas que não estão nem mesmo no Brasil. São serviços baseados em internet. Não tem regulação da Anatel sobre eles, não precisa tirar outorga, não precisa cumprir legislação de defesa do consumidor, muitas vezes não paga nenhum tipo de imposto”, destaca o especialista.

Substituição

Aos poucos, empresas de telecomunicações se tornam provedoras de banda larga – já que todo o resto será oferecido por meio de aplicativos na internet. Essa substituição talvez seja o maior desafio do setor de telecomunicações hoje. Em especial, do ponto de vista da equação financeira: se a competição com os serviços OTT reduzir o ganho de empresas tradicionais, como manter os investimentos, construindo redes de banda larga e desenvolvendo o mercado? O consumidor estará, sempre, disposto a pagar mais por um serviço de internet de melhor qualidade?

Fernando Coelho de Magalhões, diretor de programação na empresa NET Serviços, afirma que o caminho é continuar evoluindo tecnologicamente. Segundo ele, a base de assinantes de TV por assinatura não vem caindo, o que significa, ao menos por enquanto, que os serviços concorrentes como Netflix ainda não canibalizaram os serviços tradicionais. 
A expansão da banda larga é um grande desafio no Brasil e passa pela nossa dimensão continental – as enormes distâncias entre as localidades, as regiões de floresta e de pantanal que precisam ser superadas, a população concentrada em algumas regiões e difusa em outras. A baixa renda das pessoas em muitas localidades do interior, incapaz de cobrir a cobertura de custos operacionais para prestação de serviços.

Linha do tempo

As primeiras transmissões de TV por assinatura foram realizadas no Brasil pelos canais CNN e MTV. Segundo o livro de Samuel Possebon, “TV por assinatura: 20 anos de evolução”, publicado em 2009, esses serviços foram o embrião da implantação da TV por assinatura por aqui. Em dezembro de 1989, o governo introduziu oficialmente a chamada TV a cabo no país, com a Portaria 250/89 do Ministério das Comunicações, que criou o serviço de distribuição de sinais de TV (DISTV), o embrião do serviço de TV a cabo. Mas foi em 1991 que os grandes grupos de comunicação ingressaram no setor, investindo em novas tecnologias: os dois primeiros grandes players foram a Globosat, das Organizações Globo, e a TVA, do Grupo Abril. Outros grupos vieram depois, como RBS e Grupo Algar.

Possebon afirma que não seria incorreto dizer que os primórdios da TV por assinatura no Brasil já existiam desde os anos 1960, e tentativas de criação de modelos regulatórios na década de 1970, mas como não há marcos consistentes, 1989 tornou-se o ano em que se começa efetivamente a contar uma história, quando o Brasil ganhou as primeiras operações de TV em que conteúdos até então indisponíveis ao telespectador comum passaram a ser comercializados mediante pagamento mensal. Naquele ano também foi criada a Abracom, que depois se transformou em ABTA.

Em 1995, nasceu a famosa “Lei da TV a Cabo” (8.977), em que operações foram transformadas em concessões. Em 1998, as licitações abertas pelo Ministério das Comunicações foram concluídas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e em 1999 os vencedores iniciaram a implantação de suas bases operacionais. O fim do século vem acompanhado de uma forte expansão das redes de cabo e, em 2001, operadoras de DTH deram início às primeiras aplicações de interatividade digital na televisão brasileira. O setor sofre com a retração no consumo em função da crise cambial.

Globo e Abril foram desbravadoras desse mercado. E o mercado, inevitavelmente, acabou se concentrou nas mãos dos grandes. A Abril acabou deixando de ser um grande player e a Globo passou a investir mais em produção de conteúdo do que em distribuição, o mercado amadureceu. As operadoras da chamada TV por assinatura passaram a concorrer com operadoras de telecomunicações. A Telefônica, por exemplo, adquiriu recentemente a operadora GVT. A partir de 2003, a TV por assinatura retomou seu ritmo de crescimento, chegando a cada vez mais domicílios. Em 2004, dois fatos marcaram o ano: a entrada da Telmex como acionista da NET Serviços e a fusão da SKY com a DirecTV. Em paralelo, a TVA iniciou sua oferta de voz sobre IP (VoIP). Em 2006, a convergência de serviços de internet, telefonia e TV por assinatura se concretiza, com a compra da TVA pela Telefônica e da Vivax pela NET Serviços. No ano seguinte, entram em cena as discussões para alteração da Lei do Cabo. Foi lançado o primeiro canal em alta definição do país, o Globosat HD.

Em 2009, enquanto acirrava-se no resto do mundo a discussão em torno do fim da telefonia fixa, no Brasil o número de acessos das autorizadas (como Embratel e GVT) vinha crescendo e seu desaparecimento se atrela, basicamente, à capilaridade e penetração da telefonia móvel e aos preços dos serviços de banda larga.

Em 2011, é sancionada a Lei 12.485, que dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado. Em 2012, foi aprovado o Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC).

O crescimento do número de assinantes de TV por assinatura foi de 2,5% no terceiro trimestre de 2014. Comparado com o mesmo período de 2013, o crescimento chegou a 10,5%. Segundo a Anatel, até novembro de 2014, eram 19,8 milhões de assinantes. O número de assinantes de internet banda larga chegou, no fim do terceiro trimestre de 2014, a 7,3 milhões, com um crescimento trimestral da ordem de 0,3% e de 12,1% sobre o mesmo período do ano anterior. No mesmo período, a receita operacional de TV por assinatura com mensalidade, banda larga e outros (incluindo publicidade) foi de R$ 8,2 bilhões, um acréscimo de 2,3% em relação ao trimestre anterior e aumento de 15% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior.