Escrevo este texto antes da festa de encerramento da Olimpíada Rio 2016. Antes da final do futebol, no Maraca. Mas está tudo bem. O que nós brasileiros, em especial os cariocas, vivemos nestas últimas semanas de Jogos Olímpicos, vendo a cidade brilhar como nunca aos nossos olhos e aos do mundo, é sem precedentes. Nosso “caos organizado” funcionou porque não tentamos ser o que não somos. Fomos absolutamente brasileiros. Abraçamos e cuidamos dos gringos, festejamos até tarde, demos nosso jeitinho brasileiro (que nos torna mais criativos, tolerantes e flexíveis), adoramos esportes, esbanjamos simplicidade, sensualidade e bom-humor, fomos o que somos: belos e afáveis. Humanos.

“Adorável é um país que não tem inverno”, disse um gringo a uma amiga outro dia – referindo-se, certamente, a muito mais do que a nossa temperatura exterior. Exalamos, o tempo todo, a nossa quentura interior: somos irremediavelmente quentes, nossa humanidade se escancara por toda parte e faz um país onde se toca, onde se sente. Onde as experiências são intensas. Muitas vezes para o bem e para o mal, claro. De tudo o que vivi e ouvi nesses dias, talvez o mais adorável tenha sido a alegria e o entusiasmo das pessoas circulando pela cidade, cena que nos acostumamos a ver em outras grandes capitais do mundo.

O Rio de Janeiro esteve tão abarrotado de gente quanto qualquer outra grande capital do mundo costuma estar – muitas vezes ao longo do ano inteiro. Com a segurança oferecida pela Guarda Nacional, que circulou pela cidade, pudemos relaxar e experimentar a vida de um jeito mais leve. Imagine essa segurança o ano inteiro – e, mais do que isso, imagine tantos investimentos por aqui, em regime permanente.

Imagine também o quanto todos nós aprendemos e estamos aprendendo com tudo o que conseguimos realizar nas últimas semanas – esse “legado intangível” que ficará com todas as pessoas, brasileiros ou não, que trabalharam nesse gigantesco projeto de organização, disciplina, excelência, superação e emoção, tudo junto e misturado. Deu gosto ver o deslumbramento com nossas belezas potencializadas pelas milhares de câmeras espalhadas por todo lado. Foi lindo ver muitos de nossos atletas brigando por medalhas, ainda que nossa disputa tenha sido e seja, muitas vezes, injusta pela falta de recursos e incentivos ao esporte. Mesmo assim, brigamos bem, brigamos dignamente. É assim que a gente é.

Tenho frequentado muitos eventos sobre branding de cidades e países. Tenho percebido que a marca do Rio de Janeiro e a marca do Brasil andam associadas a certo descrédito justamente porque não conseguimos ser “levadas a sério” como gostaríamos. Jamais deixaremos de ser reconhecidos pelas nossas belezas naturais, pela nossa sensualidade, pelo samba e pelo Carnaval – e somos, claro, muito mais do que isso.

Quem conhece o país de verdade e faz negócios por aqui sabe o que o Brasil representa para além da aventura e da influência cultural – únicos quesitos em que nos destacamos no recente estudo global Best countries report, da BAV Consulting e da Wharton School. Assumamos nossa essência, autenticamente e, a partir dela, busquemos – com a alegria que nos é peculiar – nos aprimorar, crescer, nos fortalecer em diversos outros aspectos. Sem jamais deixar de acreditar que o temos é muito especial.

Diante disso tudo é de uma atualidade desconcertante uma reflexão do guru do “ócio criativo” Domenico De Masi, feita em 2013. Ele escreveu, nos capítulos finais do seu livro O futuro chegou, que, depois de ter copiado por 450 anos a Europa e outros 50 os EUA, quando os modelos-mito entraram em crise profunda, o gigante latino-americano Brasil está sozinho consigo mesmo, diante do seu futuro. E, com sua imensa e preciosa reserva de humanismo cultural e sua nobreza única e amorosa, tem a oportunidade de gerar o modelo inédito de que o mundo precisa. Quem duvida?

Claudia Penteado é jornalista e repórter do PROPMARK