Sou casado há quase 20 anos e no total estamos juntos há 23 anos. Ela é psicanalista, inteligente e esperta para saber exatamente com quem ela casou. Um dia desses, depois de umas taças de vinho ela me disse, “Joni, eu já tenho uma definição pra você. Você é uma criança bem sucedida”. Nunca mais esqueci. Considerei o melhor reconhecimento que eu podia ter. Claro que tudo tem um preço e não é fácil manter a criança dentro da gente depois que crescemos. As convenções nos pressionam e algumas vezes temos que aderir a elas. Outro dia também ouvi quando estava prestes a chegar num evento social: “Joni, mais normal hoje, tá?”. 

Desde pequeno luto contra os muros que são construídos a nossa volta e nos deixam limitados ao que “os outros” esperam da gente. Crescemos e nos tornamos seres sem graça, chatos, lógicos. Aprendemos equivocadamente que os valores mais importantes são status, dinheiro e sucesso. E gastamos boa parte da vida correndo atrás deles, sem saber ao menos o que nos faz feliz. 

Nunca caí nessa. Talvez por isso demorei a ganhar algum trocado. Na escola queria ser sempre o primeiro. O primeiro a ir pra sala da Diretora, pra ter histórias pra contar. No final do colegial optei pelo colégio mais difícil. Difícil de não passar de ano, pois a média era 3,5. Na faculdade escolhi aquela que mais me daria prazer, e por ser apaixonado pelo vôlei, claro que escolhi Educação Física. Passei em 3o lugar, com alguma ajudinha, já que eu tinha muita dificuldade em decorar aquele monte de conteúdo que pra mim não fazia nenhum sentido. Não quero dizer com tudo isso que foi fácil, que foi melhor assim, mas sem dúvida foi o caminho mais coerente com quem eu era. E sofri pra burro! 

Depois de grande fui trabalhar em “firmas”, primeiro na de um amigo onde fiquei 4 anos. Fiz um monte de coisa legal, ideias, projetos e grandes planos de inovações, mas nada saiu do papel. Já havia começado a entender que o adulto era muito mais travado do que eu imaginava. Fui então para a Accenture e lá fiquei 4 anos. Era o questionador, o rebelde que muitas vezes fazia o melhor pro cliente, o que não significava o melhor para a Accenture, pois eu não conseguia me enquadrar naqueles modelos rígidos de processos. Sofri pra burro! 

Até que num dado momento entendi que mesmo querendo fazer algo diferente eu tinha que estudar, me preparar melhor e planejar minhas ideias. Fui fazer um MBA em Marketing e a essa altura já não me importava mais com o que os outros iriam pensar. Meu objetivo estava claro e então me tornei um excelente aluno, principalmente porque na hora de apresentar minhas idéias, eu ousava. O resultado: acabei em primeiro lugar, só com nota A. Ali estava plantada a semente da minha primeira empresa. 

Montei a Soap com meu primo, foi um jardim de infância! 10 anos trabalhando muito mas também me divertindo.  Com 100 funcionários amando o que faziam,  descobrimos que era possível realizar bem qualquer trabalho quebrando paradigmas e convenções. Aliás, essa era nossa marca. Mas ao final desse período resolvi vender minha participação. 

Assim como uma criança não consegue ficar muito tempo fazendo a mesma coisa, e já pensando em algo novo, fui conhecer pessoalmente o maior guru de Hollywood que estava dando um seminário no Brasil em 2010. Ele mesmo, Robert McKee.  Com a cara e coragem dei meu cartão fazendo-lhe uma proposta: “O que vc faz para o cinema eu faço pro mundo corporativo. Quero trabalhar com você.” Eu estava falando com o cara que transformou a Pixar!! Minha emoção ali era provavelmente a mesma  de uma criança que encontra e fala com seu super herói preferido. 

E esta minha ousadia infantil, que muitos chamaram de ingenuidade, foi exatamente o que o fez se encantar pelas ideias que mais tarde apresentei. Montei a The Plot Company e tenho a honra de ter McKee como sócio, me ajudando a entender cada dia mais sobre o valor de uma boa história bem contada. 

Assim como no filme “Insideout”, ou “Divertidamente”, nós vamos perdendo nossas memórias de alegria plena e consequentemente somos substituídos por “terras” cinzentas que nos transformam em seres egoístas, consumistas e muitas vezes egoístas demais pra enxergar o outro. 

No Pequeno Príncipe, o novo, um dos melhores diálogos ilustra bem o que eu sinto:

  • A menina: “Eu não sei se quero crescer.”
  • O velhinho: “Crescer não é o problema. O problema é esquecer.” 

Esquecemos de sorrir, de gargalhar alto, de dar pulinhos de alegria, de falar o que pensamos, de sermos nós mesmos. E a lista não para por aí e, infelizmente, é muito grande. 

Em outras palavras, deixamos a emoção em algum lugar e vamos ao trabalho, com a esperança de que nosso lado racional dará conta do recado. A consequência? Conflitos  constantes entre colegas, brigas no trânsito, visitas ao terapeuta seguidas de antidepressivo, vidas desperdiçadas, vidas infelizes mesmo para quem tem tudo (que o dinheiro pode comprar). 

Precisamos urgentemente recuperar a criança que cada um de nós foi um dia. Experimentar viver nossas histórias com o espírito de uma criança de 3, 5 ou 10 anos. 

A Intel criou uma campanha sensacional com a música The Logical Song, interpretada por crianças que vão crescendo e uma delas vai subindo na carreira e a vida vai ficando monótona. Então, no final vem a chamada: “Find magic again”. Ai aparece a mesma executiva no papel de mãe tentando resgatar a magia da infância com sua filha, usando HP, é claro! 

O Google criou um vídeo que viralizou e virou uma espécie de manifesto: #tenhasempre10anos. Não preciso explicar muito né? 

O que eu desejo neste dia das crianças é que os adultos que cresceram muito, reaprendam com as crianças a serem mais leves, mais curiosos, mais divertidos. E que as crianças que estão “crescendo”, segurem a onda deste crescimento e aproveitem a infância sendo realmente crianças e não imitando os adultos.  

E principalmente, preservem tudo aquilo que um dia,  quando tiverem 30, 40, 50, será muito útil.   

Joni Galvão é sócio e líder da The Plot, empresa de storytelling