Vivemos um momento único com o aumento da popularidade das tecnologias, em especial a inteligência artificial. Avanços disruptivos no universo da comunicação, como tendem a ser ChatGPT e outros similares, provocam em mim uma sensação de dèjá-vu dos anos 1980, quando meu pai trouxe dos Estados Unidos um computador IBM para casa - algo raro à época no Brasil. Assim como muitas das IAs disponíveis atualmente, esse IBM 3270 era apenas o início da revolução. Meu pai programava em DOS para realizar tarefas simples que, hoje em dia, uma planilha do Excel faz automaticamente com apenas um comando. Obviamente não tínhamos a percepção de um MVP anunciando o início de uma era dos computadores pessoais. A partir daí, a história nos conta. A maneira como trabalhamos, nos comunicamos e interagimos socialmente mudou radicalmente.

Quarenta anos depois, com dois filhos pré-adolescentes, me vejo no lugar do meu pai ao entrar em contato com um mundo completamente diferente, desta vez impulsionado pela IA. Tudo que estamos vendo também é um MVP, mas, até pela história, dá para prever o impacto futuro (breve) no mercado de trabalho e nas relações pessoais. Embora encantado com as possibilidades que se multiplicam na esteira da evolução da inteligência artificial, tenho preocupações como pai e empresário de comunicação. Como conduzir meus filhos em uma formação condizente com esse futuro anunciado? Como potencializar na equipe da agência o lado reflexivo humano que nos diferencie ainda mais de tudo que a IA poderá oferecer? Na agência, especificamente, esse tema é nossa pauta quase que diária há pelo menos dois anos. Em 2021, criamos um videomanifesto usando técnicas de IA que provocou em nós aquela sensação de inovação que tanto perseguimos na indústria publicitária. Mas você já sabe o que aconteceu, certo? A evolução dessa tecnologia é tão rápida que tudo já mudou. Este artigo, por exemplo, certamente  seria  escrito diferente em algumas semanas… Há alguns anos, falávamos justamente que a tecnologia apenas não era capaz de imitar o lado emocional humano, lado este que está tão presente no desenvolvimento dessas atividades. Pensar nessa possibilidade é quase imaginar a versão romantizada da inteligência artificial, aquela presente em tantos produtos midiáticos. Em Klara e o Sol, de Kazuo Ishiguro, prêmio Nobel de Literatura, o gerente da loja de amigos artificiais fala para o robô: “você percebe e absorve tanto”. A sensibilidade de não utilizar a palavra “aprende” é nítida, afinal, nesse universo o processo do machine learning não entra na equação.

Voltando para o mundo real, como pai, busco orientar os meus filhos sobre as barreiras que existirão para a nova geração ingressar no mercado de trabalho, já que aparentemente a tecnologia vai conseguir fazer (quase) tudo. Como publicitário e sócio de agência, procuro as melhores maneiras de orientar nossa equipe e garantir que as tecnologias potencializem o que é automatizável, liberando espaço para desenvolver o que é essencialmente humano. Eu acredito que o repertório, a pluralidade de ideias e pensamentos e a diversidade sociocultural são aspectos humanos que seguirão fazendo a diferença na comunicação. Para finalizar, trago mais uma memória familiar já que é um pouco do mood deste artigo. Meu avô sempre dizia: “Não há como barrar a água e o progresso”. Eles avançam, transbordam, queira você ou não. A diferença é como a gente se prepara e o quão adaptável somos. É fascinante e é apenas o começo - assim como o IBM 3270 foi para mim e para o meu pai.

Ricardo Calfat é sócio e COO do Grupo REF
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