Janeiro. Difícil fazer um balanço do ano que passou. O início do ano é momento de retrospectivas e de “vida nova”, de aprender com os erros, repetir os sucessos, sacudir os fracassos.

Olhando o retrovisor, vemos a sombra de uma pandemia. E as perguntas que atormentavam o mercado: quando o pesadelo vai acabar? O que devemos esperar para o consumo depois que a crise for vencida?

Se a primeira questão concernia aos campos da ciência e da política, a segunda foi abraçada entusiasticamente pelo mercado, que não poupou esforços para levantar, monitorar e tratar um volume ascendente e impressionante de dados, sobretudo, na tentativa de antecipar as tendências e estar preparado para recuperar o tempo perdido.

O ano de 2023 seria de retomada. Mas a leitura contextual parece não ter sido tão calibrada. Só para citar alguns casos, dentre os quase mil pedidos de recuperação judicial solicitados no último ano, vimos afundarem-se em dívidas o Grupo Americanas, as Lojas Marisa, Tok&Stok, M5 (dona de grifes como M. Officer), 123 Milhas, a Oi, o Grupo Petrópolis (dono da cerveja Itaipava) e até a SouthRock, empresa responsável pelas operações da Starbucks e do Eataly no país. A pá de cal foi lançada sobre as livrarias Saraiva e Cultura, que também fecharam as portas.

As vendas na Black Friday 2023 mostraram que não eram casos isolados: queda de 15% em relação a 2022 e 2021, conforme dados da Neotrust, uma empresa que monitora 2,5 mil varejistas brasileiros. A essa altura, é preciso perguntar o que entendemos errado. O que ficou de fora do radar da infinidade de métodos, técnicas e estratégias de “leitura do consumidor”?

Ao que tudo indica, nem as ferramentas de digital analytics, com o monitoramento ostensivo de KPIs, táticas de inbound marketing e growth hacking, nem todo o business intelligence disponível, o avanço da neurociência do consumo, em modelagem de negócios, design thinking, consumer experience e toda a sorte de aplicações de inteligência artificial na administração e no branding, foram capazes de ajudar as empresas a antecipar e ler com competência os movimentos do mercado.

Algumas previsões, entretanto, acertaram. Segmentos de turismo e eventos vivem um desabrochar curioso: o consumidor não simplesmente voltaria a viajar e sair, mas emergiriam, no âmbito da cultura, entendimentos surpreendentes a respeito de como a vida deve ser aproveitada.

Da mesma forma, o bem-estar sexual (sexwellnes) tem sido ressignificado, assim como a nossa relação com a saúde, as indulgências e a creator economy. Os aparelhos de MP3 seriam campeões de vendas desde 2022, encabeçando um frutífero segmento “retrô”. “Quem poderia prever isso?”.

O trabalho de encontrar tendências e comportamentos emergentes não é cartesiano. As tendências surgem de uma sociedade em ebulição, de consumidores cheios de incertezas, medos, sonhos cambiantes.

O ponto da trend research não é “a foto” em si do momento captado, mas a interpretação do que ela significa e que formas vai assumir no instante seguinte. Exige um mergulho qualitativo em disciplinas humanas – sociologia, antropologia e psicologia social –, conhecimento  que fervilha na academia, pronto para ser utilizado.

E enquanto diversas marcas se esmeram em capturar e computar mais e mais big data, que tal abrirem os braços para receber os experts do small data – os dados sobre o ser humano, em toda a sua complexidade?

Para além da desconfiança entre mercado e academia, colocamos uma de nossas bandeiras: a união destes dois entes tem potência, impacto a gerar e muito a oferecer para a sociedade.

Ao fim, toda a produção – seja de produtos, serviços ou de conhecimento – deveria ser orientada à sociedade, ser capaz de ler e atender a cultura. A nossa pergunta para 2024 é: como mercado e academia podem juntar forças para criar um futuro de mais prosperidade para todos?

Emmanuel Publio Dias é professor decano da ESPM e consultor associado da BALT
epubliodias@gmail.com