“Seu comercial de TV não me engana” é um trecho da canção Capítulo 4 Versículo 3, do álbum clássico do Racionais MC’s, Sobrevivendo no Inferno.

Ela ganhou um novo significado depois de mais de 20 anos do lançamento e deixou de ser “música de marginal” para se tornar uma leitura obrigatória de vestibular de lugares onde pretos não podiam colocar os pés.

Ficou curioso para saber qual é o novo significado de um trecho tão emblemático que fora proclamado durante diversas gerações de favelados?

Eu explico! No dia 7 de março de 2022, assistimos a história da quebrada sendo escrita de forma que jamais ousamos imaginar.

Nós assistimos o Thiago Marques (Mítico), um jovem periférico de uma realidade da região Norte do país, e o Igor Cavalari (Igão), um jovem preto e favelado, escreverem juntos na história um recorde ao lado do maior ídolo de uma geração, o cantor Mano Brown.

Eles alcançaram um pico de cerca de 345 mil visualizações simultâneas no canal
Podpah.

Sem dúvidas, nessas 345 mil visualizações, tivemos pretos, favelados, LGBTQIA+ e outras classes esquecidas ano após ano por nós, publicitários.

Visualizações de pessoas que estão assistindo o seu maior ídolo falar abertamente sobre comercial de TV, sobre a importância de um serviço de streaming musical para o seu projeto Mano a Mano e sobre o quanto houve mudança de pensamento de lá para cá.

E você? Já mudou o seu pensamento sobre campanhas para pessoas fora da sua bolha do CEP do “Bairro de Boy” em que você vive ou você continua em seus brainstormings rodeado de pessoas privilegiadas, que reproduzem os mesmos pensamentos dos publicitários dos anos 1980, que acreditavam que “preto desvaloriza o produto anunciado”?

Assistimos e aplaudimos três favelados fazendo história!

Você está lendo um texto de um preto favelado que segue na luta por uma publicidade igualitária e plural, porém, me pergunto quantos pretos, favelados, LGBTQIA+ estão sentados nas cadeiras ao seu lado nas agências e clientes.

Confesso que tenho um sonho, que inclusive já compartilhei algumas vezes por aqui, de encontrar mais rostos iguais ao meu nos “calls” e eventos da publicidade por esse Brasil afora.

E agora te pergunto: e aí, quantos pretos, favelados, LGBTQIA+ você tem do seu lado?

Ou esse target só é importante na sua planilha de mídia e no post da sua rede social, na falha tentativa de mostrar que você é “o maior aliado de uma causa que você não acredita, porém, te ajuda no engajamento”?

Somos consumidores, recordistas e potências. Queira você ou não, nós chegamos!

Julio Beltrão é head do núcleo de Pretos da Mynd