Não é de hoje que se fala sobre os danos que os padrões impostos pela sociedade causam na percepção das pessoas sobre si mesmas, especialmente entre as mulheres. O que precisa cada vez mais ter atenção é a reflexão sobre a dimensão desses discursos e o papel que as marcas têm, principalmente as da indústria de beleza, na formação desses padrões. As mensagens por trás dos produtos podem reforçar estereótipos ou abrir espaço para um debate fundamental sobre a realidade dos corpos.

Segundo dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, mesmo perdendo o primeiro lugar para os Estados Unidos no ranking de cirurgias plásticas, o Brasil ocupa o topo de procedimentos no rosto. Dados preocupantes mostram que a insatisfação com a aparência chega cada vez mais cedo. Em estudo recente divulgado pelo IBGE, quase 52% dos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental têm problemas de autoimagem e estão insatisfeitos com os próprios corpos. Sem falar no cyberbullying justamente sobre o tema – estudo recente da McAfee aponta que 72% das crianças já se preocupam em serem apelidadas, alvos de comentários maldosos, o que inclui comentários sobre o corpo.

A constante exposição às redes sociais, com imagens de corpos perfeitos e filtros que modificam os traços naturais de cada um, pioram o cenário. Em estudo que realizamos em 21 países, conduzido pela Ipsos em 2021, foi constatado que a maioria das pessoas no mundo considera que o mercado de beleza pode ter um impacto negativo na autoconfiança. Além disso, os resultados mostraram que há uma crise de amor-próprio em todo o mundo – a pontuação média mundial foi de apenas 53, em uma escala onde 100 é o maior índice possível. O problema é maior entre mulheres que comparam seus corpos com os de celebridades, influencers ou modelos, com o objetivo de aumentar a autoconfiança. O resultado acaba sendo o oposto.

Essas constatações foram um estímulo para que realizássemos uma reflexão global sobre os impactos dos nossos discursos na construção do amor-próprio dos consumidores. Sempre nos comprometemos a escolher modelos com corpos, cores e tamanhos diversos e não retocar imagens de campanhas, com o objetivo de mostrar a realidade e beleza dos corpos reais. Mas, todos os produtos e campanhas estavam de acordo com nossas raízes ativistas e com a mensagem de liberdade e empoderamento desses corpos? A partir disso, a The Body Shop decidiu realizar algumas mudanças, incluindo o nome da linha de skincare mais vendida, Drops Of Youth se tornou Edelweiss, para destacar que envelhecer feliz com o próprio corpo é um direito de todos.

Não é fácil tomar essas decisões, há muito investimento envolvido, o reconhecimento dos consumidores pela linha, mas acreditamos que o impacto causado por um discurso equivocado e ultrapassado é mais prejudicial. Mudanças não acontecem da noite para o dia, mas é preciso ter coragem para começar o processo. Se é possível usar a exposição e o alcance das marcas para desmistificar o padrão e incentivar o amor-próprio, por que não? É indispensável ter consciência também sobre o impacto gerado diretamente na forma como as pessoas se enxergam. E quem melhor que a indústria de beleza para mostrar a realidade e a diversidade do que é “bonito”? Aqui já estamos nesse caminho. Fica o convite.

Karina Meyer é diretora de marketing Latam da The Body Shop
karina.meyer@thebodyshop.com.br