Racismo, machismo e violência: por que as marcas cometem os mesmos erros

A Reserva voltou a se envolver em polêmicas ao colocar um manequim preto quebrando a vidraça de uma loja; especialistas dizem como evitar que erros se tornem recorrentes

Os dicionários de marketing descrevem sobre as lições e atitudes que as marcas precisam tomar quando se encontram em situações que põem em risco as suas imagens e reputações. Em alguns casos, porém, as companhias parecem adotar um caminho oposto que, consequentemente, leva a repetir os mesmos erros.

Na semana passada, por exemplo, uma loja da Reserva, no Shopping Barra de Salvador (BA), tornou a se envolver em polêmica. Dessa vez, a empresa foi acusada de racismo ao colocar uma manequim preto quebrando a vitrine. Em nota, a Reserva afirmou que não teve a intenção de ofender qualquer pessoa ou disseminar ideias racistas.

No entanto, essa não foi a primeira vez em que a Reserva se envolve em temas polêmicos. Em 2018, a marca foi acusada de machismo após um post no Instagram para o Dia dos Namorados e, quatro anos antes, foi chamada de 'machista' com uma mensagem nas etiquetas.

Mas se reputação e confiabilidade são valores fundamentais para companhias, por que, em seus processos e posicionamentos, marcas seguem um trajeto que parece levar sempre ao mesmo lugar?

Karin Müller, professora de comunicação e marketing e coordenadora do curso de publicidade e propaganda da Universidade Metodista de São Paulo, diz que casos repetidos podem refletir origens diversas e, por isso, cada empresa precisa fazer um exercício para encontrar a raiz do problema.

“Pode ser por falta de proximidade com as pautas atuais do mundo, o que é um erro gravíssimo para qualquer organização que tem como base uma missão com a sociedade; ou por ter um time que não trabalha a empatia em seus projetos, que não conhece seu público e, portanto, não sabe interagir com ele”, afirma.

Etiqueta das camisetas da Reserva: polêmica de 2014 (Reprodução)

Já Dario Menezes, professor da pós-graduação da ESPM Rio e diretor da consultoria de reputação Caliber, fala em uma excessiva visão de resultado de curto prazo, valores organizacionais sem match com a realidade e uma falta de gestão do risco reputacional como os motivos.

“Vale às vezes a máxima: nós já temos uma reputação consolidada. Nada vai nos acontecer. No fundo tudo isso está ligado a uma falta de ação do Conselho de Administração que deveria entender a reputação como um gerador de valor de longo prazo”, destaca.

DIVERSIDADE
A Zara é outra marca que, nos últimos tempos, também andou no centro de polêmicas. Em setembro do ano passado, uma delegada negra foi barrada na loja do Shopping Iguatemi, em Fortaleza (CE), por "questões de segurança", e, em dezembro, um homem negro foi retirado do banheiro do Shopping da Bahia e acusado de roubar uma mochila que havia comprado na loja. Além disso, a polícia descobriu sobre o uso do código "Zara zerou" para indicar a presença de pessoas "suspeitas" que deveriam ser seguidas no interior das lojas.

A diversidade, ou pior, a falta de diversidade está também entre os motivos de muitas polêmicas. José Ronaldo Mathias, coordenador do curso de publicidade e propaganda da Belas Artes, explica que em uma sociedade, na qual problemas são estruturais, as marcas agem dentro de um sistema que não vê como grave as práticas que ‘reforcem, mantenham ou reproduzam, por exemplo, o racismo’.

“É fundamental preparar permanentemente as equipes e também pluralizar o time com profissionais a partir das diferenças de origem, orientação sexual, étnico-raciais, etc.”, afirma. "Para evitar isso, apostar internamente na formação dos funcionários, apoiar permanentemente grupos, coletivos, ONGs, sendo parceiras de movimentos sociais de forma não ocasional", complementa.

Equipe mais diversa é um dos caminhos apontados para a redução de problemas, segundo especialistas (Photo by Brett Jordan on Unsplash)

A Vale é outro exemplo de companhias que cometem os mesmos erros – neste caso, porém, com centenas de mortes por conta do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.

Para Isabel Rodrigues, professora do curso de relações públicas do Centro Universitário FAAP, essa reincidência está relacionada a vários fatores, como a falta de políticas 'rigorosas' de prevenção de eventos adversos. "Estas ações devem ser ‘emanadas’ do topo da pirâmide. É preciso haver participação e ‘vontade política’ da direção da empresa”, explica.

Além disso, ainda segundo ela, é preciso que estas empresas assumam as responsabilidades, que não é pagar indenizações e nem apoiar ONGs que cuidam de animais, estas são consequências. "O que devem fazer é evitar que os problemas aconteçam adotando firmemente a cultura da prevenção”, defende.

IMPACTOS
A balança financeira, pelo menos no curto prazo, também parece contribuir para que as marcas continuem reincidindo nos seus atos. A professora Müller explica que o desgaste fica mais perceptível quando se observa a perda de seguidores, consumidores e o público que deixa de consumir determinada marca.

Ela pondera também que, em um cenário de crescente competição, o sinal azul do faturamento de hoje pode não ser o de amanhã. “O problema é o mercado, cada vez mais acirrado e pronto para receber marcas que já nascem com propósitos bem definidos e conectados com a sociedade. Sendo assim, esses riscos na reputação e essas perdas, ainda que mínimas, podem custar caro em algum momento dessa jornada da marca”, diz.

Com casos de racismo e de violência contra animais, o Carrefour também está na lista de empresas recorrentes em erros.  Anna Beatriz Cautela, docente do curso de pós-graduação em marketing e estratégia da Universidade Anhembi Morumbi, afirma que, apesar dos danos reais que a marca sofre em um primeiro momento, outras notícias surgem e este impacto vai se diluindo, ao passo em que as empresas apresentam ações de redução de danos, e os consumidores retornam.

“O impacto para as marcas, num primeiro momento é de repulsa e perda de consumidores, porém, de acordo com a maneira que a empresa se posiciona e lida com a situação, esse impacto pode ser reduzido e o consumidor dá uma segunda chance. Por isso o importante é aprender com o fato e com a situação para poder agir na raiz do problema, revendo processos e procedimentos, para evitar que o impacto causado por esses fatos para marcas, a médio e longo prazo, seja irreversível”.

O QUE DIZEM AS EMPRESAS
Procurado, o Carrefour optou por compartilhar o site #NãoVamosEsquecer, lançado meses após a morte do cliente João Alberto nas dependências de uma loja do grupo em Porto Alegre (RS). O site reúne uma série de iniciativas, parcerias com ONGs para equidade racial, compromissos e relatórios sobre a política de diversidade da marca.

Já a Zara enviou uma nota em que afirma que “rechaça qualquer forma de racismo” e ressalta colaboração com organizações sociais no Brasil. “A empresa reforça que a diversidade, a multiculturalidade e o respeito são valores inerentes e inseparáveis da sua cultura corporativa. A Zara Brasil trabalha continuamente no reforço de sua cultura de Diversidade & Inclusão no mundo e no Brasil, sempre mantendo um diálogo aberto com a sociedade”, afirmou a companhia.

Também citadas na matéria, Reserva e Vale não enviaram seus posicionamentos até a publicação desta matéria.

(Colaboração de Vinícius Novaes)