Natura, Ambev e Itaú lideram o ranking de reputação Merco no Brasil em 2022

Uma falsa acusação de abuso sexual destruiu a reputação da Escola Base, que ficava no bairro da Aclimação, na região Sul da capital paulista, em 1994. Os proprietários Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, a professora Paula Milhim e o motorista Maurício Alvarenga foram inocentados, mas a polícia e a imprensa já haviam condenado todos eles, antes mesmo do término da investigação.

Imersa em suposições, as pessoas se enfureceram e a escola chegou a ser depredada. Inexistência de provas e apurações inconsistentes recaem sobre a história, contada na série Escola Base - Um repórter enfrenta o passado, lançada pelo Globoplay, em 2022. O repórter Valmir Salaro revive os fatos, e admite a condução jornalística incorreta.

Esse exemplo evidencia as consequências nefastas que mentiras podem causar em negócios dos mais diversos segmentos da economia. Em 2017, a Ambev teve de desmentir um vídeo mostrando a existência de pombos em uma fábrica que, na verdade, produzia pães na Rússia. A contenção de fake news para preservar o nome das companhias sai a duras penas. “Em uma cervejaria, há uma série de grades até os grãos serem moídos. É impossível entrar um animal no sistema”, explica Lucas Rossi, diretor de reputação e comunicação externa e interna da Ambev.

A resposta da gigante de bebidas começou pelo WhatsApp, plataforma que originou a disseminação da polêmica, oferecendo repertório e munição para a audiência imbuída em suspeitas. O caso foi emblemático também porque a empresa decidiu acionar a imprensa proativamente para esclarecer a situação. Caso alguém assistisse ao vídeo, já saberia que se tratava de uma mentira. Logo a confusão cessou. “É preciso ser muito rápido e responder onde o assunto pega fogo”, alerta Rossi.

Ambev colocou o Chopp Brahma na lata, inovação que é resultado de escuta ativa de consumidores que há tempos sonhavam em poder beber o chope de forma fácil em casa (Divulgação)

A verdade da história
Nenhuma marca está imune a crises de produto ou de operação. A diferença é que, há cerca de dez anos, o ciclo da notícia era mais longo. Escândalos só vinham à tona quando eram denunciados em programas de repercussão de massa. Mas o mundo digital encurtou o caminho. Basta a pessoa postar um vídeo para que uma acusação tome proporções inimagináveis.

Agir de forma reativa não é mais suficiente. Dependendo do porte da empresa, é inviável acompanhar as cercanias do negócio. Tempo de resposta, honestidade e contexto são premissas básicas. “As pessoas esperam atitude, e que a empresa mostre que se preocupa”, sustenta Rossi.

Com 32 operações espalhadas pelo Brasil, a Ambev reúne prontamente a alta liderança e especialistas ao primeiro aviso para tomar as decisões cabíveis sem precisar escalar o negócio. “Há mais transparência e conseguimos lidar com a verdade da história”, frisa Rossi. A companhia investe também em segurança psicológica para otimizar a dinâmica do processo. “Já passei por situação de crise em que eu estava viajando a trabalho, e é muito confortável saber que todos os envolvidos estão no mesmo lugar”, relembra Rossi.

A conduta parte do entendimento do propósito da companhia, suas fortalezas e fraquezas, para que se compreenda como ela é percebida. “Reputação é um termômetro entre o que a empresa é, como ela se percebe, e como os outros a percebem”, diferencia Rossi. Autoentendimento e clareza nas mensagens estão apoiadas por métricas capazes de indicar oportunidades.

Lucas Rossi, da Ambev: termômetro entre o que a empresa é, como ela se percebe, e como os outros a percebem (Divulgação)

Investigações de mercado, como o relatório do Monitor Empresarial de Reputação Corporativa (Merco), consultoria sediada em Madrid, na Espanha, garimpam dados conforme os stakeholders adjacentes ao negócio. Em 2022, mais de cinco mil líderes de empresas com faturamento superior a U$ 40 milhões apontaram dez companhias com melhor reputação. Manter a boa imagem está entre os principais desafios de negócios para 53% dos 501 empresários ouvidos ainda pela Deloitte na pesquisa Agenda 23.

Índices positivos vão além da autoanálise, comprovando que “não existe personagem, cuja máscara cai na primeira decisão”, observa o executivo da Ambev, que ocupa a segunda posição pelo quinto ano consecutivo na lista Merco. Dia a dia e redes sociais conferem se as pessoas percebem realmente o que a marca prega, e recortes anuais demonstram como a curva de observação se comportou.

Efeito Streisand
A matriz de materialidade, pesquisa realizada com as principais lideranças da Ambev, também ajuda a identificar riscos e potenciais negócios. “Não criamos nada do zero para criar reputação. Damos luz para o que já existe”, pontua Rossi. A marca acaba de colocar o Chopp Brahma na lata. Sinônimo de tradição e categoria no Brasil, a inovação é resultado de escuta ativa de consumidores que há tempos sonhavam em beber o chope de forma fácil em casa.

Superficialidade não tem vez. Antes satisfeita por posicionamentos, hoje as crises demandam ações capazes de atender às agendas envolvidas. Embora certas metodologias contribuam para organizar processos, é fundamental estudar a dimensão do problema, entender quem faz parte dele, reunir pessoas relevantes, monitorar e responder.

“Para cada oceano, vamos navegar de uma forma”, compara Rossi. Na ânsia de atravessar a tempestade, porém muitos acabam naufragando. O efeito Streisand é uma evidência do despreparo e afobamento na gestão de crises.

Contador de árvores derrubadas da Natura sofreu críticas às vésperas das eleições de 2022, mas marca saiu fortalecida (Divulgação)

O fenômeno é inspirado na atriz Barbra Streisand, que em 2003 foi à Justiça para exigir a remoção das fotos de sua mansão, publicadas no site do California Coastal Records Project com produção do fotógrafo Kenneth Adelman. Ela alegou defesa de privacidade, mas perdeu a ação e só conseguiu dar ainda mais visibilidade ao empreendimento localizado em Malibu (EUA). Estima-se que o projeto tenha recebido mais de 420 mil visitas em apenas um mês. Foi assim que o público soube que a mansão da foto era da artista.

Nem sempre assuntos próprios de um determinado grupo são universais. Dentro ou fora da bolha, seriedade ao tratar a questão é tão primordial quanto entender a real extensão da embrulhada. Mas o mercado falha ao lidar com essa distinção. Profissionais e agências de comunicação existem, mas o ecossistema que trata de crises está despreparado e, geralmente, se desespera.

“Muitas vezes, o profissional de comunicação nem é envolvido, e ele é a ponte entre os mundos externo e interno”, reclama Rossi, que conta com equipe interna de social e qualidade da análise, além de agências de PR, como a Loures, há quatro anos, e a InPress, há 33 anos. A empresa ainda é atendida pela Ideal. “Se as pessoas perceberem a nossa verdade, significa que estamos fazendo bem o nosso trabalho”, conclui Rossi.

Coerência
O desfecho pode deixar implicações desastrosas caso a marca não tenha coerência entre posicionamento público e o que ela faz, de fato. E essa harmonia só existe se houver transparência. “Um processo de comunicação em uma situação de crise não é um ato de autopromoção, mas um exercício de prestação de contas para a sociedade”, avisa Michel Blanco, head de comunicação corporativa e reputação de Natura &Co América Latina, líder do relatório Merco há nove anos consecutivos no Brasil.

Michel Blanco, da Natura &Co: prestação de contas (Divulgação)

Uma boa reputação não previne crises, mas ajuda a sair mais rápido delas. Referência em sustentabilidade e no cuidado das relações, a Natura foi pioneira no uso de refis, no início dos anos 1980, quando pouco se falava em resíduos sólidos. E há mais de 20 anos, transforma desafios socioambientais em oportunidades, integrando a Amazônia ao seu portfólio.

Também é uma marca que evoca afeto e celebração da beleza livre de estereótipos. Em 1992, por exemplo, lançou a campanha Mulher bonita de verdade, de Chronos, que destacou mulheres comuns na TV brasileira, valorizando a beleza em todas as fases da vida.

Já a Avon, comprada pela Natura em 2019, desbrava o território do empoderamento feminino desde que David H. McConnell fundou a empresa, nos Estados Unidos, em 1886. No Brasil há 65 anos, a marca defende a emancipação financeira de mulheres antes mesmo que elas tivessem direito a voto nas eleições norte-americanas. Expressão de acolhimento e libertação, a marca atua ainda no combate ao câncer de mama e à violência contra as mulheres.

Diversidade e democratização da beleza também identificam a marca, que em 2020 ampliou a sua paleta de cores para atender tons de peles negra e parda. Em 2021, a campanha Avon tá on, vencedora do Melhores do propmark 2021, atualizou a percepção da marca. “Natura e Avon são reconhecidas, cada uma a seu modo, como marcas vanguardistas, que se posicionam em conexão com o espírito do tempo e conciliam propósito e produto em seu modelo de negócios”, descreve Blanco, que comanda a área de reputação e comunicação corporativa (Rec) da companhia.

Nada a esconder
Só marcas que têm algo a esconder se preocupam tanto em blindar a sua imagem. Aquelas que já agem de forma idônea acrescentam camadas adicionais de proteção. “O cuidado com a reputação é algo vivido em toda a organização, está impregnado no jeito de ser e fazer. Está na base de nossas crenças e do nosso comportamento empresarial”, confirma Blanco. Decisões de negócios, ações de comunicação e diálogo com os públicos de relacionamento também empenham compromisso com a verdade.

A campanha Avon tá on, vencedora do Melhores do propmark 2021, atualizou a percepção da marca (Divulgação)

“Cuidamos da nossa reputação com doses elevadas de coerência. É ser fiel às nossas crenças e fazer das nossas ações um exercício constante de cidadania corporativa, buscando o maior impacto possível na sociedade”, insiste Blanco. Segundo o executivo, fazer escolhas também é fundamental “para atacar os problemas que podem ser tratados mais diretamente pelos nossos negócios, por nossos recursos exclusivos”, complementa.

Escuta ativa ancora a percepção construída pelas empresas, delegando à área de comunicação o protagonismo da estratégia. Ao refletir esse esforço, serve não como um espelho, mas como uma janela para o mundo. A atividade de relações públicas é essencial para a gestão da reputação. Entre os parceiros de Natura e Avon, estão Weber Shandwick, na conta institucional, e Zeno Group, em produtos. Ha ainda agências regionais, como a Dupla, no Nordeste, e a Eko, no Norte. Na publicidade, a Natura é atendida por Africa e Galeria, e a Avon pela Wunderman Thompson.

“Em um país tão grande e tão cheio de particularidades como o Brasil, precisamos dessa cooperação entre as agências para que possamos conversar bem com os nossos diversos públicos”, atesta Blanco. Essa equipe diversa abre a possibilidade de cocriacão a partir de novos olhares, garantindo legitimidade à comunicação ao refletir as inúmeras realidades que compõem a sociedade brasileira.

A Natura &Co utiliza desde ferramentas de social listening, já disponíveis no mercado, até soluções específicas, desenvolvidas sob demanda, como o monitoramento de percepção de riscos utilizado pela área de pesquisa e inovação. Acompanha ainda estudos e pesquisas.

“Mas a tecnologia mais poderosa à nossa disposição é o relacionamento humano. Somos um negócio de venda por relações, uma rede social original, composta de milhões de pessoas conectadas por propósitos, identidades ou interesses em comum”, destaca Blanco. Recorte do tecido social da Avon, consultoras e representantes estabelecem o pulso da percepção sobre as marcas da companhia.

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