A propaganda é uma ferramenta poderosa de comunicação e, por ter um caráter atrelado à liberdade de expressão, é utilizada livremente por qualquer um que queira propagar sua mensagem – desde que não desrespeite diretamente a autorregulamentação do setor. Valendo-se disso, a Samarco está na mídia ocupando espaços publicitários para tentar reduzir os danos negativos que sua responsabilidade no desastre ambiental de Mariana, em Minas Gerais, causou à imagem da companhia.
Três meses após o rompimento das barragens que deixou 19 mortos e a destruição de 11 cidades e uma faixa de quase mil quilômetros de extensão do Rio Doce entre Minas Gerais e Espírito Santo, a empresa que é formada pela joint venture da brasileira Vale com a anglo-australiana BHP Billiton começou a veicular nacionalmente a campanha “Fazer o que deve ser feito”. Esta é a segunda ação publicitária da Samarco depois da tragédia – a primeira foi feita em dezembro em sites e portais da internet. No entanto, desta vez os anúncios estão sendo veiculados em rede nacional em revistas e jornais de grande circulação e também em TV aberta.
As peças apresentam funcionários da Samarco que acabaram se envolvendo nos trabalhos humanitários depois do rompimento das barragens e divulgam números favoráveis para a companhia, como 2.500 cartões de auxílio financeiro distribuídos para as pessoas afetadas e que 99,7% das 365 famílias desabrigadas foram acomodadas antes do Natal. “Dar assistência às pessoas. Reparar os danos. Fazer o que deve ser feito”, diz o texto do anúncio impresso.
Em um vídeo que faz parte da campanha, um pescador da região chamado Zé de Sabino, que trabalha no monitoramento dos danos no rio a serviço da Samarco, defende a empresa e chega a dizer que, quando aconteceu o desastre, a empresa já estava por perto para dar cobertura e assistência, sem mencionar que os rejeitos de minério de ferro que invadiram o rio com a lama eram responsabilidade da companhia que explorava a mineração no local onde houve o rompimento das barragens. O pescador da Samarco ainda chega a dizer que “não existe nenhum tipo de poluição e que os peixes estão todos vivos”.
Por outro lado, o relatório de uma expedição de pesquisadores das universidades federais de Juiz de Fora (UFJF) e de Minas Gerais (UFMG) afirma que “a presença da Samarco na Bacia do Rio Doce é um fato, mas ela está cruelmente presente. A empresa aloca recursos para conter os danos ambientais e auxiliar a população, mas faz isso de forma pontual, em locais específicos onde sua presença pode ter mais visibilidade”.
O relatório dos especialistas também afirma que a ausência do poder público e da mineradora é ainda mais grave nas zonas rurais atingidas. “O município de Rio Doce é um bom exemplo da presença seletiva dos agentes responsáveis. A zona urbana, pouco prejudicada pelo rompimento da represa, recebeu auxílio da prefeitura e da Samarco, enquanto a zona rural, que sofreu com o acidente, ficou quase sem assistência ou informação”, concluiu a equipe.
Procurada pelo PROPMARK, a Samarco disse que não divulga o investimento realizado na campanha publicitária criada pela agência mineira Tom Comunicação, que conta com inserções de mídia nos veículos de maior tiragem do Brasil e nos horários mais concorridos das principais emissoras da TV aberta.
Na mesma semana em que iniciou a veiculação da campanha publicitária atual, a Samarco e suas proprietárias, Vale e BHP Billiton, pediram à Justiça o adiamento do prazo para fazer um depósito de R$ 2 bilhões no fundo destinado à recuperação ambiental e social da bacia do Rio Doce.
O depósito havia sido determinado depois de uma ação civil pública aberta pela Advocacia-Geral da União (AGU) e as procuradorias-gerais de Minas Gerais e Espírito Santo, na qual foi proposta que as empresas formassem um fundo de R$ 20 bilhões para custear programas ambientais e sociais de recuperação da bacia ao longo de dez anos. Os R$ 2 bilhões que deveriam ter sido depositados no dia 3 de fevereiro seriam a primeira parte do pagamento para o fundo.