População que se utiliza das marginais Tietê e Pinheiros da cidade com a maior frota de automóveis do país ficou sabendo da redução de velocidade por faixas e placas instaladas nas próprias viasA prefeitura de São Paulo causou polêmica na última semana ao reduzir os limites de velocidade das marginais Pinheiros e Tietê, principais vias transversais que cortam a maior cidade do país, onde circulam 5,63 milhões de carros e mais de 1,04 milhão de motos nos dias comerciais, segundo dados do Detran. Na marginal Pinheiros, o limite caiu de 70 quilômetros por hora para 50 na pista local e, na expressa, de 90 para 70. Já na Tietê, os motoristas não podem acelerar mais que 70 na expressa, 60 na central e 50 na local.

A medida gerou intensos debates sobre a sua eficácia e especialistas dividem opiniões. O prefeito Fernando Haddad e os entusiastas da ideia alegam que a diminuição da velocidade máxima pode ajudar a melhorar a velocidade média, diminuindo o “freia e acelera” constante, além de baixar a possibilidade de morte em acidentes gerados por colisões e atropelamentos. Do outro lado, os críticos apontam que a ideia não tem sentido e que se trata de uma estratégia para arrecadar mais dinheiro com multas. Diante das discussões quentes, um fato importante passou praticamente despercebido. Fora as sinalizações na própria via, não foi realizada nenhuma campanha para conscientizar a população sobre a iniciativa – nem mesmo para ressaltar os pontos positivos apoiados por especialistas no tema.

“Quem implanta uma mudança dessa envergadura nas marginais em época de férias, com milhões de pessoas fora da cidade, em absoluto está preocupado com multas que esse pessoal receberá ao voltar, pego de surpresa. Portanto, a preocupação de evitar multas inexiste”, afirma o engenheiro de tráfego Sergio Ejzenberg. O presidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), Orlando Marques, tem o mesmo ponto de vista. “Os governantes têm obrigação de usar a comunicação e a propaganda para informar e se comunicar com os contribuintes e os eleitores. É um desrespeito fazer essas intervenções na cidade sem se dirigir aos contribuintes que pagam os impostos e os salários dos governantes. É para isso que existe a verba de comunicação.”

Na pista central da marginal Tietê, limite caiu para 50 km por hora

A própria prefeitura de São Paulo informou ao propmark que nenhuma campanha publicitária foi planejada para comunicar a mudança. A Lua Propaganda, agência que atende a conta junto com a nova/sb, também confirmou que não foi acionada para trabalhar no tema.

LEI

O assunto pode ser ainda mais delicado. De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), o valor arrecadado com as multas deve ser aplicado, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego e de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.

Ainda pelo código nacional, 5% do valor arrecadado com multas deve ser destinado a ações de segurança e educação de trânsito, o que não acontece desde 2012. No ano passado, por exemplo, o balanço da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) divulgado para a população revela que a prefeitura da cidade bateu recorde com recolhimento de multas. O valor chegou a R$ 898,5 milhões, um crescimento de 5,6% em relação a 2013. Com a triplicação de radares instalados nos últimos seis anos, a arrecadação com multas de trânsito na metrópole chega a R$ 2,3 milhões por dia.

Por outro lado, os investimentos em ações de educação no trânsito despencaram. Depois da campanha “Zona Máxima de Proteção ao Pedestre”, criada pela agência nova/sb e veiculada em 2012 com investimentos de mais de R$ 30 milhões, a prefeitura paulistana direcionou quantias consideradas irrisórias para ações de educação no trânsito. Questionada sobre o tema, a Secretaria do Governo do município defende que a atual gestão não interrompeu os investimentos e realizou campanhas para falar do respeito entre ciclistas, motoristas e pedestres, informações sobre faixas de ônibus e o evento Semana da Mobilidade, além de detalhes sobre a reorganização das linhas de ônibus. “Estas campanhas possuem caráter informativo e educativo para as pessoas no dia a dia do trânsito paulistano”, diz a nota.

Baseado nas ações relatadas pela própria prefeitura nos últimos dois anos, o propmark apurou que, juntas, o valor está longe do ideal.

Segundo as informações fornecidas pela prefeitura por meio dos editais de investimentos publicitários, a quantia das ações educativas e de prevenção durante todo o ano de 2014 atinge apenas R$ 495.791,40, o que representa menos de um quinto da arrecadação de um único dia em multas na capital de São Paulo.

Em comparação à arrecadação do ano inteiro, o investimento fica muito abaixo de 1% do total, ou seja, bem distante da meta. Procuradas, a CET e a Secretaria de Comunicação da prefeitura (Secom) não forneceram informações sobre investimentos em programas e ações relacionados ao tema. No site da CET, ao consultar os investimentos publicitários em 2013 e 2014, aparece a mensagem “não houve despesas com publicidade nestes meses”.

Segundo o presidente da comissão de direito viário da OAB-SP, Maurício Januzzi, “a falta de atenção dos governantes na hora de promover conscientização na sociedade sobre os cuidados que se deve ter no trânsito para evitar acidentes e multas podem acarretar em consequências legais. O governante pode ser responsabilizado por má administração e indiciado por improbidade administrativa”, diz.

O mesmo risco é observado pelo advogado especialista em direito do trânsito, Henrique Gomes, sócio do escritório Gomes de Lima Advocacia. “O prefeito de São Paulo tem que responder. Cabe ao Ministério Público investigar o caso e solicitar esclarecimentos”, afirma. Para o advogado, há ilegalidades na atuação do governo da cidade de São Paulo. “A prefeitura não pode aumentar tributos livremente. Mas ela pode aumentar o limite de velocidade. Reduzir a velocidade é uma forma de arrecadar mais sem passar pelo processo legislativo.”

Gomes, que defende clientes pessoas físicas e jurídicas, acredita que a medida mais recente no controle das marginais, principalmente sem comunicação em massa para educar, visa arrecadar dinheiro de qualquer um que passe pelas vias, inclusive empresas. Ele revela que muitas firmas que trabalham com transporte estão quebrando devido às cobranças das multas. “A prefeitura age de forma irregular”, argumenta.

“É preciso despertar a compreensão”

Para o especialista Celso Mariano, sócio da Tecnodata Educacional e com experiência de mais de 15 anos em educação para o trânsito, a comunicação é uma ferramenta útil que não pode ser descartada pelos governantes. “A comunicação é o primeiro passo do processo educativo. Os órgãos de trânsito têm obrigação de fazer isso, principalmente em momentos de mudança”, diz.

No ponto de vista de Mariano, o brasileiro é resistente e chega inclusive a ser teimoso quando há mudanças nas regras, o que torna a comunicação ainda mais imprescindível. Ele cita como exemplo o case da obrigatoriedade do cinto de segurança.

No Brasil, as pessoas usam o cinto apenas nos bancos da frente. No entanto, no assento traseiro a adesão é um fracasso. “Infelizmente, é preciso que pessoas morram para que a sociedade reflita, como aconteceu recentemente com o cantor sertanejo Cristiano Araújo.”

De acordo com o especialista, isso é resultado de uma má comunicação realizada quando o uso do acessório se tornou obrigatório e houve o devido endurecimento na fiscalização. “As pessoas usam cinto de segurança na frente porque sabem que, se não usarem, serão multadas. A adesão se deu por causa da rigorosidade implantada na época. Mas os que estão atrás não querem utilizar o acessório porque não foram informados adequadamente sobre a importância disso para si mesmos”, analisa. “Por não entenderem o motivo, as pessoas se tornam resistentes. O cinto de segurança é fundamental, mais pela lei da inércia do que pela lei de trânsito. É a primeira lei de Newton”, opina Mariano.

“Se existisse um processo educativo, que não se faz só com campanha de mídia, mas também com programas constantes na sociedade, como aulas de conscientização em colégios e faculdades, teríamos uma boa chance de contornar a falta de educação de trânsito. Nós precisamos despertar a compreensão”, sugere Mariano, ressaltando que os veículos de comunicação também deveriam colaborar mais abrindo espaços gratuitos de propaganda para campanhas de utilidade pública, principalmente as emissoras de TV e rádio, que são concessões públicas.

Até mesmo o consultor de marketing político Marco Iten, que tem conhecimento em interpretar as iniciativas públicas pela ótica do governante, que nem sempre correspondem aos anseios da população, analisa a falta de investimento em campanhas e ações de educação de trânsito como algo sem sentido.

“Escapa da lógica. No âmbito da legislação, que é nacional, o dinheiro arrecadado com multa tem que ser investido em trânsito. A função pública é o esclarecimento, a informação e a educação. Não fazer isso é um crime”, acrescenta.