Soja, café, carnes e minério de ferro são produtos made in Brazil que têm impacto na combalida balança comercial brasileira. Mas a pauta também envolve os talentos brasileiros, sobretudo os da economia criativa. A publicidade tem sido responsável pelo envio para o mercado internacional de mais de 300 profissionais nos últimos cinco anos, alguns deles benchmark como diretores de criação. É um processo inverso, claro, relacionado à crise econômica que não só encolheu o trade, mas também contempla os desafios relacionados à tecnologia digital que, apesar de estar bem avançada, ainda não faz frente ao desenvolvimento de países como Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Japão.

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Há dois anos nos Estados Unidos, André Felix foi anunciado oficialmente na semana passada como novo vice-presidente de criação da Y&R/Bravo Miami para trabalhar com marcas como Coca-Cola, SABMiller, FedEx e Dell. Ele estava na Zimmerman. Na sua passagem pela MoodTBWA ganhou Leões em Cannes, inclusive o primeiro do país em Innovation Creative Data com o case Procurando Murilo.

“Aprendemos no Brasil a gerar soluções e, para muitos, essa visão regional é ruim, mas posso garantir que essa ‘educação’ faz com que o profissional tenha vantagens; a escola brasileira tem fundamentos que permitem adaptação em qualquer lugar. O brasileiro faz seu trabalho acontecer com o cliente e com o orçamento disponível, porque esse é o único jeito de se destacar. A competitividade para entrar e permanecer em uma agência no Brasil é bem maior. Então, chegamos ao mercado externo treinados. Mas, apesar da excelente reputação criativa do Brasil no mundo, é preciso entender que no exterior a cultura, os processos e os objetivos são bem diferentes”, destaca Felix.

Nomes como Fred Saldanha, agora na Huge de Nova York; Icaro Doria, na DDB em NY; e Ana Paula Balerin, na Mother de Londres; por exemplo, fazem sucesso no mercado externo. Segundo André Laurentino, diretor global de criação da Ogilvy para a Unilever em marcas como Dove, Comfort, Pond’s, Hellmann’s e Omo, “o cenário econômico adverso do nosso país estimula a migração. Mas os players do mercado externo gostam de ter em seus quadros o calor criativo dos trópicos na veia, afinal o Brasil tem algo muito valioso para as empresas nesses tempos marcados pela competitividade extremada: soluções e rapidez nos processos”, explica.

“Para criar campanhas globais, é fundamental saber ver o mundo com o olhar do outro. Ouvir mil vezes antes de falar. Acabamos de fazer campanhas institucionais para Dove, por exemplo, para a França e para a Índia. São ângulos inteiramente diferentes. O sucesso dessas campanhas, que falam direto ao coração, se deve à sensibilidade humana de nossas antenas, da qualidade de nossos insights, de como pesquisamos, de como lemos essas pesquisas. É fascinante”, afirma Laurentino. Mas o Brasil continua como fonte de inspiração. “Somos um povo que busca alternativas. E damos duro: ninguém no mercado tem medo de trabalho. A formação profissional do Brasil é o Bope da publicidade mundial. É como diz um repente nordestino, quem trabalha no ritmo do brasileiro ‘ou sai defunto ou sai doutor’. Isso impressiona”, ele acrescenta.

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A ideia de ter experiência no exterior era projeto que Renato Fernandez, diretor global de criação para a marca Gatorade na TBWAChiat/Day, alimentava há algum tempo. Tomou a decisão de se mudar para Los Angeles quando viu que a fronteira entre off e online estava se deteriorando. Fernandez atuou na AlmapBBDO e ganhou notoriedade na equipe liderada por Marcello Serpa com a performance da agência no Festival Internacional de Criatividade de Cannes. No passado, ganhou Leão de Ouro no Cannes Lions na área Film com a campanha Made in New York – Derek Jeter, para Gatorade.

“Nesses quatro anos vi a publicidade se transformar. O celular virou a televisão. É onde todo mundo assiste tudo. A mídia impressa realmente está vivendo seu crepúsculo. Para cada reunião que tenho com a CBS tenho cinco com o Google, Snapchat e Twitter. Vivemos na era Darwin-Wahol: só os mais fortes sobrevivem a seus 15 minutos de fama”, diz Fernandez.

“O Brasil pode estar em crise, mas não o brasileiro. Construímos uma reputação de excelência criativa e dedicação que é difícil de encontrar nos EUA. Se as agências pudessem, só contratariam brasileiros. Temos a fórmula do sucesso: bom gosto, talento e bom humor. O Brasil é um país multicultural então é muito fácil se adaptar a qualquer mercado”, completa Fernandez.

“Eu trabalho somente com Gatorade, mas são três clientes distintos. O primeiro é o americano, que produz oito campanhas anuais. O segundo, o branded content, que era pequeno e triplicou de tamanho, para o qual desenvolvemos a plataforma “Athlete Journey”. Contamos histórias dos atletas inspirados pelas motivações deles, usando o tagline Win from within (vencer vem de dentro). Por último, o olhar global”, diz o diretor.

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“Gatorade sempre foi fragmentado globalmente, deixando para os mercados locais a responsabilidade de construir a marca. Historicamente, havia apenas uma campanha global por ano. Resolvi mudar isso e este ano já foram duas e estamos preparando mais duas. Uma delas, Don’t Go Down, para o Messi, foi uma ideia proativa. Messi adotou a plataforma completamente, colocou o logo na capa do seu Facebook e repostou o vídeo depois de o Barcelona ter perdido quatro jogos seguidos, para provar que nunca se deve deixar derrotar pelas adversidades. Tudo voluntariamente. O trabalho tem chamado a atenção dos mercados locais ao redor do mundo. Estou atuando muito em parceria com China, Brasil, México e Canadá. O Brasil, por exemplo, já tinha uma grande excelência criativa, mas sempre esbarrava em limitações de orçamento e disponibilidade de atletas. Recentemente ajudei a viabilizar um filme com Usain Bolt encaixando-o em um set que estávamos fazendo”, diz Fernandez.

Ter um perfil mais global e agregar novas dinâmicas ao pensamento criativo foi o que atraiu André Felix, vice-presidente de criação da Y&R Bravo em Miami para marcas como Coca-Cola, Fedex, Dell, beIN Sports e SabMiller, a deixar o Brasil. Mas, segundo ele, o que o deixou preso ao mercado brasileiro foi propositivo para atuar no mercado norte-americano.

Diretor de criação da 360i, do Dentsu Aegis Group, Fábio Seidl afirma que fronteiras geopolíticas não são capazes de impedir o desenvolvimento de ideias. Seidl acaba de criar campanha global da Canon. “É um aprendizado constante e isso é um combustível sensacional, especialmente em um mercado tão internacional como o de Nova York. No escritório da 360i falamos mais de 20 línguas. São pessoas de dezenas de países diferentes compartilhando culturas, ideias e humor”. Seidl estava na Lapiz Leo Burnett e já atuou em Portugal.

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Miguel Bemfica é veterano no mercado externo. Atualmente é diretor global de criação da McCann, com base em Londres, para os clientes Zurich Insurance e Nespresso. Chegou à Europa em 2008 em meio à crise econômica, mas, como já estava acostumado com os problemas da economia brasileira, encarou tudo com bastante naturalidade.

“Sempre digo que se você quer que a sua campanha tenha um approach global, deve sempre lembrar daquela frase do Tomas Mann que dizia: ‘Se você quer que o mundo te dê ouvidos, primeiro cante para a sua aldeia’”. Bemfica acrescenta: “Que sorte ser brasileiro quando você está trabalhando fora. Especialmente se você trabalha em publicidade. Somos muito valorizados aqui como criativos bem hard workers, na maioria dos casos apaixonados por nossa indústria, talvez porque no Brasil a profissão tem um status que na Europa já não existe. Talvez porque trabalhar em publicidade não é tão cool aqui fora quanto no Brasil. Mas ser brasileiro é um grande cartão de visitas”.

Para Bemfica, a ida à Europa, em plena crise, foi um MBA. “Eu achava já ter visto tudo de crise no Brasil, tive de trabalhar o dobro para conseguir resultados. Hoje graças a essa experiencia, aprendi sobre diferentes matrizes culturais, além de novas e mais modernas formas de trabalhar em publicidade”.

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