Alê Oliveira

Alguém já disse ou escreveu, não me lembro, mas com razão: nós, brasileiros, adoramos falar mal dos brasileiros. Brasileiro é isso, é aquilo… Se fosse no Brasil… E, claro, estamos falando de outros brasileiros, não de nós que estamos participando da malhação. Mas, pelo menos, temos a gentileza de não identificar os brasileiros nos quais estamos descendo o porrete. Temos a gentileza, como já pregava Ariano Suassuna, de falar mal dos outros pelas costas, nada de falar mal de alguém em sua própria presença, o que seria uma enorme indelicadeza.

Nós temos – eu incluído – uma forte tendência de falar mal dos outros e em todos os níveis. Por exemplo: alguém já ouviu de um executivo que assume um posto importante numa empresa, que seu antecessor era muito competente, deixou tudo muito bem feito, tudo em ordem e, por conta disso, esse novo emprego para ele está sendo tranquilo, que se trata apenas de manter o que já estava feito?

“Como é que tá no novo emprego?”

“Hummm… nem te conto… trabalhando como louco… tô tendo de refazer tudo, mudar equipe, implantar processos… tava uma bagunça, uma confusão… não tinha controle… uma loucura!!! Mas agora já estou começando a colocar a casa em ordem, já diminuí a despesa em 15%… imagine: 15% em dois meses… já aumentei o faturamento, acalmei os clientes… porque eles iam perder todos os clientes…

“Não diga… mas o cara que estava no seu lugar não foi promovido pelos bons serviços que estava fazendo…?”

“Pois é… para você ver do jeito que a coisa estava andando…”

Nós, brasileiros, não levamos muito jeito para reconhecer nossos erros. Certamente devemos ter algumas virtudes, eu acho, mas essa não é uma delas. Ou melhor, deixa eu ser positivo, nós somos muito bons em identificar os erros dos outros.

Agora que o assunto da compra da usina de Pasadena pela Petrobras está voltando mais uma vez ao noticiário, eu fico aqui de novo imaginando como teria sido aquela reunião de conselho, como teria sido o seu desenrolar, se é que esse seja um verbo adequado para descrever a reunião na qual os ilustres conselheiros aprovaram a compra de 50% dessa coisa por 360 milhões de dólares, lembrando que o vendedor, a Astra Oil, tinha comprado o mico havia menos de um ano por 42,5 milhões de dólares.

E nos meus devaneios fico imaginando o Dito, que foi meu caseiro na fazenda por muitos anos, participando dessa reunião de conselho como representante de algum conselheiro que não pôde estar presente.

Eu sei, eu sei, eu sei… é uma imaginação absurda, o Dito só estudou até a quarta série, não sabe nada de petróleo, nunca andou de avião, nem desconfia o que seja uma usina ou uma reunião de conselho. Mas gosto de imaginar essa minha versão porque ela termina bem, termina com o acerto de um brasileiro, o Dito.

A reunião, eu imagino assim:

Chegam os conselheiros, todos vestindo seus ternos bem cortados, vestidos elegantes, todos personalidades célebres, inteligentes, muito bem formados, acompanhados de assessores cheios de documentos e, claro, seguranças de montão. E chega o Dito, depois de sofrer e suar em bicas para achar o prédio, para se identificar na portaria, para acertar o elevador, para chegar à sala… um sufoco, mas pelo menos está bem vestido, com sua calça nova de marca (Boiadeiro) e botina amarela de sola de pneu (4 x R$ 9,90 na caderneta ou R% 36,90 à vista na Agro-Arandú). E começa a reunião. O Dito fica apavorado: se der mancada tá lascado!

E aí, depois de toda a exposição da diretoria executiva recomendando a compra, Dito toma coragem, gagueja pra caramba, quase morre de nervoso e timidez, mas consegue fazer uma pergunta: “Por que os donos tão vendendo metade”?

Como a resposta é técnica demais para ele e muito acima de sua capacidade de entendimento, ele fica ainda mais nervoso, tão apavorado que sai outra perguntinha de sua boca sobre a qual a tremedeira assumiu o controle: “Quando que os dono que é dono agora compraro essa tar de usina?”

A resposta agora é menos complexa: “Faz cerca de um ano”.

E o Dito chuta mais uma: “Quanto que eles pagaro nesse trem”?

A cabeça dele ferve com a resposta… Pagaro 42 milhão e meio faz ano e agora nóis vai compra metade por 360 milhão?? Êta que arguém boliu aí.

Bolir, vocês sabem, ou talvez não saibam, é um verbo muito popular no interior. Significa “mexer”, mas mexer de um jeito maroto, malandro, suspeito. Tem até aquela história famosa do casamento no sítio. O casal de namorados ia se casar e, como não tinham casa, iam morar no sítio dos pais da noiva, todos juntos na mesma casa. Casa que, aliás, como era comum, não tinha forro, de forma que as paredes que dividiam os cômodos internos subiam não mais do 2,5 metros, deixando tudo aberto na parte de cima até o telhado. Mais ou menos como as maquetes de decoração que a gente vê hoje em dia. A festa ia ser no sítio, churrasquinho de espeto regado a cachaça e refrigerante maçã de marca (Tubaína).

Como a turma bebia muito, o noivo quis garantir um goró especial para o final de sua grande noite (porque naquele tempo e naquele sítio as moças se casavam virgens), então ele disfarça, pega um copo daqueles de extrato de tomate, enche de pinga e esconde embaixo da cama que o novo casal iria estrear naquela noite.

Mas algum bebum mais atento percebeu a manobra e quando a cachaça da festa acabou, foi de fina até o quarto e tomou metade do que estava no copo do noivo.

Terminada a festa, todo mundo foi embora, a família e os noivos se recolheram. Chegou o grande momento. A sogra nem encostava a cabeça no travesseiro para ouvir a consumação do casório. O casal se despiu, se deitou, o noivo mete a mão embaixo da cama para dar seu gole final antes do grande momento, percebe que o copo está quase vazio e fala, indignado e meio alto: “Êpa… arguém já boliu aqui…” E a sogra, atenta e preparada para justificar qualquer imprevisto: “Carma fio, as mulher da nossa familha nós é tudo meia larga memo…”

Mesmo que a Petrobras talvez seja meia larga, não ia ser o Dito que ia aprovar um negócio desses. Quando os outros conselheiros e a diretoria defenderam a compra, o Dito até propôs, sem saber, uma análise comparativa: “Eu comprei um galo meio índio por 45 conto (entenda-se, reais). Cêsqué paga 360 conto na metade dele eu vendo sô”.

*CEO da Corpora The Reputation Agency