Divulgação

Os recentes episódios de fraudes em testes de veículos envolvendo dois gigantes da indústria automobilística – Volkswagen e Mitsubishi – revelam o imenso desafio que é estar, nos dias de hoje, nesse segmento. A Volkswagen reconheceu que 11 milhões de carros foram fraudados para mostrar números mais baixos de emissão de poluentes, enquanto a Mitsubishi fraudou testes de economia de combustível de quatro modelos da sua linha de minicarros que, supostamente, são mais econômicos e amigáveis ao meio ambiente. Dos conhecidos recalls de veículos por peças defeituosas, trata-se de uma nova ordem de problemas enfrentados, com “mancadas” que indicam, invariavelmente, um desacerto de rumo.

Outro dia ouvi de uma executiva de um player importante do mercado mundial: “nos transformamos no novo cigarro”. Lembrei-me que tempos antes comentava algo semelhante com uma amiga: “não vai demorar para que as pessoas que usam o carro para se deslocar nas cidades sejam vistas como personas non gratas. Vão ser olhadas de cara feia, como os fumantes”.

Há fatos incontestáveis que uma indústria historicamente obcecada por velocidade e performance – tanto dos seus produtos quanto de suas vendas – está tendo de incluir em seu rol de preocupações, em muitos casos a fórceps. Uma delas é a discussão em torno dos efeitos dos combustíveis fósseis na atmosfera, sua escassez e consequente encarecimento. Outra questão: a superpopulação urbana e superengarrafada em cidades como o Rio de Janeiro, por exemplo. E como ignorar que o carro como símbolo de status perde a força, especialmente entre os jovens? Não dirigir hoje é normal, bem como não sonhar com o primeiro carro.

A busca por inovação nesse cenário tão mais complexo convive com as metas de vendas e performance de sempre, o que acaba resultando em equívocos como os que pegaram a Volkswagen e a Mitsubishi de calças curtas. Na corrida por competitividade, evoluções como o Tesla e atitudes jurássicas como a fraude em testes de emissão de poluentes convivem lado a lado. E me pergunto se esse descompasso não está intimamente ligado ao fato de que poucas indústrias são tão distantes do consumidor, historicamente, quanto a automobilística. Da cadeia de relacionamento desatenta e fria a estratégias de publicidade alheias a muitas das (novas) questões que envolvem a escolha e a experiência de um automóvel.

Em anos mais recentes, principalmente com a era digital, há esforços importantes de algumas marcas para mudar isso, sem grandes transformações. Um publicitário que atende um player da indústria descreve como costuma se sentir nas reuniões com o cliente: “tenho a impressão de que estou numa reunião com colonizadores extrativistas. Vendas precisam crescer sobre vendas, que cresceram sobre vendas anteriores. Haja rua, haja gente pra comprar. Haja trânsito”. Penso que isso resume um bocado o meu ponto de vista.

O anacronismo é sustentado especialmente por mercados emergentes como o Brasil ou a China, em que as vendas só fazem crescer. E estão aqui três das 10 cidades mais engarrafadas do planeta: Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Tudo isso puxa para trás a verdadeira inovação e, principalmente, adia discussões muito importantes. Afinal, como falar de modelos elétricos e dialogar com as novas gerações em um cenário como esse? Como conversar com o consumidor e falar dos novos valores que deveriam passar a nortear essa indústria? É de respostas a algumas dessas perguntas que depende, também, o futuro dessa indústria. E a manutenção de marcas fortes e confiáveis, como Volkswagen e Mitsubishi.

Claudia Penteado é jornalista e repórter do PROPMARK