A campanha eleitoral acabou e eu posso finalmente me sentir igual a qualquer pessoa, com horários regulares para comer, dormir, ir ao banheiro. Coisas comezinhas, mas impensáveis no calor de uma campanha.

A última segunda-feira (27) foi meu primeiro dia depois de três meses de total improbabilidade. Fiz várias extravagâncias. Desliguei o telefone, dormi até tarde, fiquei à mesa do almoço até as quatro da tarde e bebi inúmeras garrafas de vinho no jantar.

O resultado foi totalmente previsível: uma portentosa ressaca que só não é mortal porque o vinho tinha alguma qualidade. Mas, felizmente, tenho uma receita muito boa para ressaca. Você vai me perguntar pela sua eficiência. Eu respondo. Igual a todas as outras: nenhuma. Mas lutar contra a sensação de gosto de alavanca de câmbio na boca é parte da cura.

Ressacado, sim, entregue nunca!

Eu pego um suco de tomate de boa qualidade, coloco num copo com muito gelo, limão, pimenta-do-reino e vodka e bebo num único gole. Dirá você: mas esta é a fórmula de um Bloody Mary! Minha resposta é simples: parece ser, mas não é. Trata-se de um remédio, e assim precisa ser encarado.

Depois disso tomo 45 gotas de Novalgina, 30 gotas de Elixir Paregórico e um Imosec que, pelo que eu sei, está proibido, mas ainda tenho alguns reservados para estas horas.

A formulação contempla a dor de cabeça, as cólicas e a vontade de ir ao banheiro. O suco de tomate com limão minimiza a sensação de sede. E a vodka? Bem, a vodka minimiza a sensação de culpa, inerente a toda ressaca.

Proíbo os amigos e a companheira de me contarem o que eu falei durante o porre e fico em silêncio lendo um livro de espionagem. Não resolve, eu já disse, mas dá a ligeira impressão de que estou agindo a favor da minha saúde. Nem que seja mental.

Li outro dia uma crônica do Mario Prata exatamente sobre a ressaca. E descobri que este é um dos assuntos mais presentes na internet. O Google lista 25.600 sites sobre a matéria.

Como a certa altura o Mario Prata reproduz Luís Fernando Veríssimo, eu faço o mesmo reproduzindo a reprodução. Abrimos Aspas.

“Hoje existem pílulas milagrosas, mas sou do tempo das grandes ressacas. As bebedeiras de antigamente eram mais dignas, porque você as tomava sabendo que no dia seguinte estaria no inferno. Além de saúde era preciso coragem. As novas gerações não conhecem ressaca, o que talvez explique a falência dos velhos valores. A ressaca era a prova de que a retribuição divina existe e nenhum prazer ficará sem castigo. Cada porre era um desafio ao céu e as suas feras. E elas vinham: náusea, azia, dor de cabeça, dúvidas existenciais – golfadas. Hoje, as bebedeiras não têm a mesma grandeza.”

Pois bem, leitor, fechemos as aspas. Digo eu: a ressaca é o marketing do corpo. Sem ela não teríamos jamais algum aviso de que a bebida é, antes de mais nada, um veneno.

Sem ressaca transformaríamos nossos fígados em patê, nosso estômago numa chaga e nosso cérebro numa compota sem um único lembrete. É bem verdade que mesmo assim continuamos a beber. Mas, pelo menos nosso corpo pode dizer: “Eu bem avisei!”.

O que, convenhamos, jamais se deve dizer para alguém com ressaca.