O publicitário Mario D’Andrea, CEO da Dentsu, será eleito presidente da Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade) no próximo dia 28. Sua ideia é rejuvenescer a entidade e debater temas como a “caixa-preta” do digital. Nesta entrevista, ele afirma que a atividade é elemento-chave para o desenvolvimento econômico.
Gestão
Estamos vivendo um momento de inflexão. Porém, mais importante do que o que a gente faz, é o resultado que a publicidade entrega para a economia. Precisamos sair das discussões comezinhas para olhar mais de cima: criamos marcas e riquezas para as empresas. Estou falando de anunciantes, profissionais de marketing, agências e veículos. Boa parte da riqueza desse país foi criada através do talento que as agências proporcionaram para as marcas. A Deloitte fez um estudo para a Abap que mostrou que cada R$ 1,00 investido em propaganda gera R$ 10,69 na economia como um todo. O valor agregado da propaganda cria maior margem e empregos.
Aderência
Não há e por culpa das próprias agências. A concorrência saudável não prescinde da união pelo que o trade faz. Disputar cliente é uma coisa, mas não podemos perder de vista que fazemos a mesma coisa com o mesmo intuito. Não é uma união bobinha. Defendemos um raciocínio comum que é gerar lucro e empregos. O dia a dia foi dragando essa discussão.
Chapa
Quando aceitei ser candidato à presidência da Abap, formei uma chapa com pessoas que estão dirigindo suas agências agora. São esses caras que não podem deixar ninguém esquecer os valores dessa atividade.
Refresh
Na atividade e na entidade. Temos de voltar a bater no peito, ter orgulho, valorizar e cobrar pelo que realizamos. Mas, também, precisamos nos cobrar quando não fizermos o que nos é confiado.
Autoestima
Temos de recuperar esse sentimento. Primeiro mostrando a força da publicidade para a economia. As agências e os veículos são a indústria da comunicação do país. A Abap é a Fiesp da comunicação. Apesar dessa pujança, nos levamos mais pelos problemas cotidianos. Os publicitários não saem de casa para fazer anúncios, mas para gerar riquezas.
Remuneração
Com rentabilidade menor, as agências ficam com menos poder de investimento em talento e inteligência, que são seus principais ativos. Quando se perde isso, se perde dinheiro. Não só nas agências, mas também nos veículos e clientes. A indústria da publicidade no Brasil sempre foi uma das mais avançadas e produtivas do mundo, por causa da qualidade das pessoas. E isso é matemático: quem paga melhor tem as melhores cabeças.
Solução
Recompor a remuneração não é tão simples, mas não podemos esquecer que a publicidade tem um marco regulatório que deve ser respeitado. O Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão) e o Conar (Código Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária) representam muito bem o que essa indústria quer e deseja. Essa história de que tem muita gente não respeitando as regras de remuneração não é verdade. O modelo paga pouco. Por quê? Ele foi criado quando a função da agência era de intermediar compra de mídia. Ou seja, o veículo paga a agência uma comissão preestabelecida. Há uma discussão no Cenp para atualizar o modelo. As agências são responsáveis por ações para seus clientes muito além da mídia. Os pontos de contato com os consumidores mudaram e estão amplos. Não podemos mais ser remunerados apenas por mídia. As agências são centros de inteligência para marketing e negócios. Quando fazemos uma ação em um shopping, que migra para o digital, gerando milhões de acessos, não tem mídia. Como somos remunerados? O modelo tem de ser revisto para o mundo, não só pelos valores, mas pelo formato. Quando uma agência faz um estudo de posicionamento de marca, ela precisa ser remunerada. O cliente não deve pagar só pelo volume de mídia.
Modelo
Atualização das normas do Cenp. O Cade (Conselho Administrativo de Defesa da Economia) já deliberou que a entidade é que deve tratar desse assunto. A entidade foi fundada por agências, veículos e anunciantes. Quem faz o mercado, porém, são agências e veículos. O cliente compra e pode fazer do seu jeito. Teve uma época na qual as houses agencies tiveram lugar, mas o tempo mostrou que não era uma boa alternativa. Voltaram para as agências porque têm retorno de inteligência e custo menor.
BVs
É uma falácia achar que as agências estão sendo remuneradas por bonificações de volume. Esse modelo é um incentivo que o veículo dá ou não dá. Outras indústrias concedem incentivo para estimular vendas. Quando falamos de incentivo não estamos falando da totalidade das agências do país. É um número bem pequeno que tem acesso. O mercado não é formado por 30 agências e clientes. É muito maior do que isso. A maioria das agências não tem BVs. O modelo garantiu o desenvolvimento do mercado. Não podemos aceitar certas coisas. Precisamos ser vistos como agentes de desenvolvimento da economia. O arcabouço formado pelas entidades que representam agências, veículos e anunciantes ajudou a formar a estrutura.
Concorrências
Precisam ser remuneradas. Na Argentina, cada agência convidada recebe US$ 5 mil. Se convidam 30 agências, desembolsam US$ 250 mil. Quando se trabalha de graça, quem paga a conta são os outros clientes.
Diferenciação
A remuneração por mídia prevalece. Muitos clientes dizem que as agências sempre levam as mesmas coisas. Mas a pergunta é: como os clientes remuneram suas agências? Por comissão de mídia. Então a agência vai entregar soluções com mídia. Os clientes têm de pagar por outras expertises. Se é mídia é mídia e, caso não, que pague fee.
Digital
Esse é um ponto que a nova diretoria da Abap vai se posicionar já na largada. Os canais digitais se portam como veículos, mas não querem seguir as regras desse mercado, principalmente na transparência das práticas comerciais. Todos sabem os preços das tabelas dos veículos offline, mas dos digitais não necessariamente. Outro ponto: sabemos exatamente o que ocorre com as nossas campanhas em alguns veículos; nos digitais não. Há falta de transparência com os investimentos, conteúdos e retorno. É uma caixa-preta. Agências e anunciantes não podem ficar sujeitos ao modus operandi do digital, que muda de acordo com o veículo. Os digitais só querem bônus. Sem ônus. Jogamos futebol com o pé e não com a mão. Se querem atuar no Brasil, que aceitem as regras do jogo. São bem-vindos porque são importantes para a construção de negócios e marcas, mas não podem impor dois pesos e duas medidas. Muitos se portam como veículos, mas dizem que não são veículos. Vendem espaço, cobrem eventos e produzem conteúdo. No caso do conteúdo dizem que é feito por terceiros e pedem desculpas por ter aparecido algo que não devia. Eu não tenho notícia desse comportamento fechado no offline. Se um conteúdo inadequado aparece em uma TV, por exemplo, os anunciantes param de veicular. Há escândalos fora do Brasil no digital. Vários anunciantes pararam de autorizar campanhas nesses canais porque querem saber para onde está indo sua publicidade. Precisa ter métrica e transparência. O tema já está sendo debatido no Brasil.