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De acordo com especialistas, a indústria de embalagens é uma espécie de termômetro da economia. Caso a produção esteja em alta, normalmente os indicadores são mais positivos. Segundo estudo macroeconômico da Abre (Associação Brasileira de Embalagem), o mês de março deste ano teve uma elevação de negócios de 3,04% em relação ao mesmo período do ano passado. O índice consolidado de 0,37% do primeiro trimestre de 2017 interrompeu um ciclo de 13 semestres de variação negativa. Diante desse cenário, a entidade setorial já trabalha com crescimento de 0,9% para a atual temporada, especialmente por fatores como a inflação sob controle e a queda de juros. 

Em 2016, o mercado de embalagens contabilizou um faturamento de R$ 64,4 bilhões, com o plástico predominando como matéria-prima, com 39,42% de share, o equivalente a R$ 25,3 bilhões. O papelão vem em segundo lugar, com participação de 19,04% e receita bruta de R$ 12,2 bilhões. Nesta sexta-feira (11), a Abedesign promove o evento Fronteiras do Design. A pauta destaca inovação, tendências, design estratégico e modelos com maior aderência à era digital.
Sim, o momento é de transformação e de novos desafios para o design de embalagem.

Segundo Mario Narita, CEO da Narita Design & Strategy, o movimento é caudatário da cena econômica e das demandas dos consumidores diante do ambiente digital. “Mas vejo isso de uma forma positiva, pois são nesses momentos que passamos a enxergar novas oportunidades e a nos movimentar de verdade. No caso do design de embalagens, estamos falando de um dos pontos de contato com o consumidor de maior relevância e abrangência. E pensar que as embalagens passam cada vez mais a estar presentes no ambiente digital. Isso cria uma nova frente de oportunidades totalmente complementares ao PDV físico. Neste contexto, quem melhor souber ousar e explorar essas novas possibilidades, terá destaque”, explica Narita, que representou o mercado brasileiro no júri da área de design do Cannes Lions 2017.

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Narita esclarece que as compras online começam a ter presença cada vez maior na rotina dos consumidores. Segundo ele, 96,6% dos brasileiros já compraram pela internet. “Algumas categorias, como as de eletroeletrônicos, livros, cosméticos e artigos esportivos, são as preferidas. Já em vestuário, materiais de construção, decoração e supermercado, a preferência ainda é pelas lojas físicas. Porém, todas as categorias já estão se preparando para se adaptar a essa nova gôndola de cinco polegadas, isto é, a tela de um celular. Essa tendência é irreversível e trará um grande impacto na conceituação de uma embalagem. Hoje pensamos qual será o papel do design de embalagem em um cenário em que a gôndola já não será o grande ambiente da compra”, argumenta Narita.

O mercado se adequa à era do imediatismo, nas palavras de Narita. É natural que os smartphones sejam, por assim dizer, um novo integrante do corpo humano. “Acordamos, trabalhamos, nos divertimos e dormimos conectados a esse aparelho”, constata o designer. Essa mudança, segundo Narita, traz dois desafios às agências especializadas: 1) entender o comportamento humano, cada vez mais acostumado com a interatividade, a customização, a conectividade e, principalmente, a velocidade de acesso às informações; 2) considerar que muitas decisões de compra serão feitas através de uma tela de um celular.

“Antes, desenvolvíamos embalagens pensando na performance em gôndola, que é nossa expertise e em que estamos bem evoluídos, agregando novos pontos de vista em experiência de consumo, como storytelling, IOT (internet das coisas), realidade virtual, sustentabilidade e interatividade, entre outros. Todos esses pontos já fazem parte do dia a dia da Narita, em que uma equipe de inovação mapeia as principais tendências e comportamentos humanos, que é a base da nossa criação. Temos um mantra interno que nos orienta e afirma que as pessoas estão impacientes. Segundo uma pesquisa do Google, 53% das pessoas abandonam um site se levar mais que três segundos para carregar e, complementando com outra fonte, 60% não retornam a esse site”, argumenta.

Narita diz mais: “Assim, este comportamento pode ser aplicado no varejo, ambiente no qual as embalagens terão de atrair a atenção e comunicar em segundos. Ainda no ambiente do varejo físico, estamos nos desafiando a pensar sobre como ele será no futuro. Talvez ele seja somente um ambiente de experiência conceitual e sensorial, já que as compras online avançam progressivamente. A tecnologia sempre estará evoluindo e nos desafiando. Entendê-la e adaptar-se a ela será fundamental. Paralelamente, aqui na Narita, também entendemos que os hábitos e comportamentos humanos também evoluirão e, por isso, estamos nos atualizando nessas vertentes”, ele pondera.

Naturalmente, o mercado recebe novas influências com o surgimento de novas referências. “Hoje os consumidores estão exigentes e bem informados, aumentando assim o cuidado que uma marca deve ter em termos de propósito, proposta de valores e mensagem emitida. Acompanhamos como algumas empresas já adotam a dinâmica das startups, do design sprint, em que o fail-fast rege o tom dos lançamentos. Assim como o pensamento das empresas exponenciais baseadas em tecnologia, em que transparecem a ânsia de entregas mais rápidas por parte dos fornecedores, isso faz também com que nos preparemos para essa nova demanda. Aqui na Narita também somos impacientes”, pondera o designer.

PDVS VIRTUAIS

O unboxing é uma expressão que ganhou relevância na era das telas de cinco polegadas. As embalagens mais elaboradas dão lugar à exposição dos produtos nos PDVs virtuais. Quando a mercadoria chega ao destinatário, o que vale é a experiência que o consumidor pode anotar, por exemplo, filmando e postando o objeto de desejo empacotado em uma caixa de papelão árida, sem direção de arte, apenas como instrumento protetor. O McDonald’s inaugurou em São Paulo um restaurante com conceito unboxing. O projeto, assinado pela DM9, não é a abertura de uma embalagem, mas o envelopamento da loja como uma caixa de papelão de 900 metros quadrados: experiência e live marketing.

“Quem não amava, quando era criança, abrir presente no Natal? Unboxing é uma forma adulta e social de ter essa gostosa sensação. Unboxing é um ritual de compartilhar com as pessoas a experiência de se abrir e descobrir um novo produto. Desde a textura da embalagem, a forma como ela é lacrada, o cuidado com os acessórios e, principalmente, o momento em que você faz o primeiro uso do produto que você comprou. Quanto mais interessante ou surpreendente for essa embalagem, maior vai ser o tempo de contato do consumidor com a experiência de descobrir um novo produto. Se esse fenômeno motivar as empresas a procurar trazer um melhor craft nas embalagens, isso vai ser superpositivo para quem ama design e ama os bons vídeos de unboxing”, explica Arício Fortes, vice-presidente de criação da DM9.

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De acordo com Gian Rocchiccioli, da agência Pande, há um novo papel para o design. “O desafio que vivemos é positivo. Ele interfere nas velhas mentalidades. Quem vende identidade visual nos PDVs está lascado. Não significa que o consumidor vai se contentar com refis. O novo conceito é que embalagem não é só a identidade. A agência tem de pensar o papel do produto no ciclo de vida do cliente e identificar a sua jornada de compra. Ela nasce no PDV, mas há novos pontos de contato. O grande volume está no canal tradicional. Pensar alguns tipos de embalagem e a melhor logística passaram a fazer parte do negócio. Um segundo nível é a consolidação dos marketplaces. A mudança que está em curso e é irreversível”.

Gisela Schulzinger, presidente da Abre, diretora de capacitação da Abedesign e ex-sócia da Pande, concorda que a utilização da embalagem deve levar em consideração a necessidade do usuário. “Antes a indústria olhava apenas para dentro. Agora tem de contemplar itens como mobilidade, funcionalidade, praticidade e usabilidade, que passaram a ser questões fundamentais para as embalagens. Vai além da fundação básica de conservar e transportar o produto; precisa ajudar o consumidor no dia a dia. Mesmo que pense no design gráfico ou estrutural, não dá mais para separar. Há o fenômeno unboxing, que muda todo o processo de como se abre a embalagem”, ela afirma.

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Segundo Luciano Deos, fundador e CEO do GAD’, o mercado de embalagem vem sendo impactado pela recessão. A consequência é a redução da demanda e o achatamento da remuneração. “Na verdade, o mercado não está encolhendo; ele está mudando em função desta crise. Muitos novos players, clientes internalizando processos, a tecnologia facilitando, fabricantes oferecendo design além da produção. Enfim uma série de fatores que deixam o nosso dia a dia mais desafiador”.
Na visão de Deos, o e-commerce não é fator relevante, mas sim a tecnologia, as interfaces digitais e o varejo omnichannel. “Vivemos um momento sem limites, em que podemos fazer tudo através da tecnologia, das redes sociais, da interatividade e isto sim pode trazer um universo muito novo para o segmento. Aliás, ja vem trazendo. As marcas-proprietárias vêm crescendo, sim, e vão crescer bem mais, mas ainda são inexpressivas considerando o sem-número de marcas e fabricantes que temos por aí”, diz Deos.

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Mathieu Reverte, sócio-diretor da Team Creatif, vê crescimento e ao mesmo tempo estagnação do setor. A agência, entre outros trabalhos, é responsável pelo design da linha Jamie Oliver, para a Sadia. “A pressão sobre os preços continua forte. Para driblar a crise precisamos manter um padrão alto de qualidade na criação, integrar mais o consumidor no processo de criação, investir em pesquisa e diversificar nossa oferta para áreas anexas ao produto: retail, promoção etc”, finaliza.

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