O Luiz Fernando Veríssimo sempre desejou ter à disposição um sinal gráfico que significasse ironia.

Algo assim como um ponto de exclamação ou interrogação que avisasse ao leitor que aquela frase ou palavra não podia ser lida ou entendida ao pé da letra – ou melhor – no seu significado original.

Os jornalistas ultimamente estão usando de dois subterfúgios, ou avisam logo que a pessoa que disse alguma coisa o fez por ironia (em vez de terminar uma citação tradicional “fulano ironizou”) ou após uma sentença com duplo sentido colocam entre parênteses (risos).

Eu acho que ambas as formas tiram da ironia ou do Chiste seu mais delicado humor. Uma ironia bate na trave de verdade e exige uma cumplicidade com o autor para que ela se apresente com toda sutileza do oculto semimostrado.

Matador de ironias, assassino de humor, é o cara que explicita seu entendimento utilizando o mesmo clima, quando se estabelece a conversa mais rica, o diálogo mais prazeroso.

Diálogo feito de sutis entendimentos, acima das palavras e suas dimensões dicionárias. É assim como quando eu chamo alguém de filho da puta.

Não me imagino fazendo isso a sério, como fazia por exemplo Davi Nasser e muitos de sua geração, para quem a pena servia para ofender, destruir, matar, principalmente os que não faziam negócio ou não atendiam aos interesses próprios ou dos patrões.

Saibam todos os que estas linhas lerem que filho da puta aqui é elogio, tanto é verdade que nenhum filho da puta aqui retratado reclamou, pelo contrario, tenho recebido normalmente respostas de derramada modéstia: “nem tanto… nem tanto”.

Algumas vezes o bom humor das pessoas me encanta que vou às lágrimas por encontrar alma irmã. Cito um exemplo. Certa vez referindo-me a um colega que tinha pedido demissão de minha empresa escrevi aqui no PROPMARK:

“O Vereza, aquele filho da puta sem entranhas, me trocou por alguns poucos dinheiros a mais. E deixou um vazio na mesa em frente à minha no escritório e sobretudo na mesa do bar da esquina, para onde íamos ao fim do expediente”.

Dias depois de publicada a coluna, liga-me uma senhora de voz doce com sotaque de gente fina e se apresenta como a mãe do indigitado Zé Guilherme.

Soube depois de conhecê-la melhor que se tratava de uma educadora importan-
tíssima, ex–secretária de Educação e diretora queridíssima da Pró Matre do Rio de Janeiro.

Pois bem, Dona Lucy (este era o nome dela) me disse:

“Lula, concordo inteiramente com o sem entranhas, acho até que poderíamos dizer ingrato, se não fosse pesado demais. Mas sou obrigada a discordar do outro elogio, já que nesse caso fui citada nominalmente”. Delicioso! Delicioso!

Outra vez um amigo recebeu de um outro amigo que tinha sido citado por mim, também aqui na coluna:

“Caro Manoel, não consigo descobrir o e-mail do Lula, por isso lhe peço um enorme favor. Ele se referiu a mim na sua crônica e não consegui descobrir realmente o que ele quis dizer com as palavras que utilizou em relação à minha pessoa. Então faça-me o obséquio de tentar descobrir e, em meu nome e sob minha responsabilidade, ou dê-lhe um abraço agradecido ou mande-o tomar no cu”.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)

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