Outro dia me deparei com o estudo de uma empresa de logomarcas, a Signs.com, sobre a capacidade que as pessoas têm de desenhar, de próprio punho e de memória, logomarcas bem conhecidas como Apple e Starbucks. O experimento testou a capacidade de 156 americanos, entre 20 e 70 anos, de desenhar as logos, tentando demonstrar que talvez algumas empresas não estejam cuidando do visual de suas marcas como deveriam. Arrisco-me a dizer que o estudo demonstra o óbvio ululante: que cada pessoa tem uma percepção afetiva de uma marca, e o fato de não saber desenhá-la com precisão comprova a maravilhosa diversidade de pontos de vista e olhares sobre as coisas na vida (ou mostra simplesmente que algumas pessoas desenham mal pacas).

Pergunto-me quão estranho seria se todas as pessoas fossem capazes de desenhar a marca de uma empresa da mesma maneira, sem as próprias nuances de interpretação, sem variações de cores. Isso talvez realçasse, muito mais, a incapacidade de uma marca de emocionar, de tocar o coração das pessoas. Estamos na era do reconhecimento de que as experiências são muito mais potentes e muito mais essenciais à construção de marcas (do que representações visuais, por exemplo). E esse aspecto as coloca, as marcas, todas, numa eterna gangorra – de equilíbrio extremamente difícil. O que me leva ao episódio que marcou a semana passada, quando Dove foi fortemente criticada e se desculpou publicamente por uma campanha bastante infeliz.

O olhar cirúrgico que se formou ao redor de empresas que trabalham com moda, beleza e bem-estar é resultado direto de uma construção que elas próprias fizeram, durante anos e anos, baseada em estereótipos de ordem fortemente preconceituosa e reducionista. Muitas delas ainda correm atrás do prejuízo com discursos que soam, a um olhar mais atento, bem forçados, e, de tão forçados, às vezes saem pela culatra. Faz parte do jogo. Dove se desculpou rapidamente e segue em frente, empunhando o título incontestável de ter sido a primeira marca no cenário a falar de real beleza e de autoestima feminina, lá atrás, muito antes que Always, por exemplo. Só cometem erros assim marcas que estão tentando. Por outro lado, os erros refletem que algo ainda se mantém fora da ordem, e precisa de ajustes mais aprofundados. Mudanças culturais demandam muito esforço, e uma (re)composição minuciosa. Há pessoas demais envolvidas, de origens diversas, misturadas, muitas delas buscando acertar depois de anos e anos e anos trabalhando do mesmo jeito, repetindo padrões: criando e/ou aprovando estereótipos brancos, magros e “seguros” em campanhas publicitárias, por exemplo.

Ao contrário do passado, no cenário atual nada mais passa batido. Mas os ajustes vão sendo feitos aos poucos, sofrendo as consequências de uma incomensurável carga arquetípica herdada, geração após geração, de um passado em que nenhum de nós sequer sonhava em existir. Quem pensaria, anos atrás, em marcas de roupas revendo seus (pre)conceitos e repensando cores e modelagens em coleções infantis? Ou fabricantes de brinquedos modificando aquilo que historicamente rotularam para esse ou aquele gênero? Quem pensaria na marca Natura apoiando publicamente uma campanha da Avon, que discute o valor e o significado dos “elogios”? Quem pensaria que grifes de moda e de beleza francesas agora precisam lidar com leis que proíbem o uso inadvertido do photoshop para corrigir o corpo de suas modelos. Caminhamos um bocado. Mas essa é uma (re)construção como talvez nenhuma outra na história da nossa indústria.

Por fim, não posso deixar de registrar aqui uma mancada talvez irreversível, de uma marca que sempre morou no lado esquerdo do meu peito, que muitos desenham como uma linda maçãzinha colorida. A Apple vem gradativamente perdendo a majestade, porque se descola cada vez mais daquilo que a fez tão grandiosa: a experiência – para muito além da beleza. Ao propor que seu cliente atualize incessantemente seus devices, e constantemente abandone os antigos por novos a preços cada vez mais salgados e vantagens cada vez menos reconhecíveis, a Apple cansa e frustra até seus fãs mais apaixonados. O que se vê é uma triste debandada para marcas que aprenderam um bocado do alto de seus segundos e terceiros lugares. Não há perdão no mundo real e palpável das experiências.