Entre temas urgentes deste hiato de transição governamental, ganharam espaço no noticiário nacional questões pontuais sobre os contratos entre agências de publicidade e empresas estatais. Os números apresentados nas discussões preliminares soam estranhos aos ouvidos de publicitários mais experientes. À frente da APP (Associação dos Profissionais de Propaganda), fundada há mais de 80 anos, tenho conduzido inúmeros debates sobre essa temática e que contaram com a participação de ampla gama de profissionais de diferentes campos de atuação e de praticamente todas as entidades do mercado publicitário. O cerne do debate pautado recentemente, até em programa de auditório televisivo, é a adoção de planos de incentivo voltados para impulsionar a veiculação de anúncios em publicações da mídia impressa, eletrônica ou digital. Essa prática faz parte do mercado de comunicação desde a década de 1960 e se estabeleceu no Brasil antes mesmo da regulamentação da profissão de publicitário. Comum a todos os meios de difusão de informação, como TV, revistas, jornais, rádios e também empresas de tecnologia atuantes no mercado de comunicação internacional, os planos de incentivo possuem diversas denominações, como BV (bonificação por volume) ou PIA (Plano de Incentivo às Agências), entre outras.

Nesse contexto inicial, o objetivo era garantir a pontualidade dos pagamentos (essenciais à época de inflação acentuada), o financiamento de pesquisas de comprovação da audiência e conquistar maior volume investido no período. Esses planos nasceram nos jornais impressos especificamente para as agências de anúncios classificados, para que as publicações diárias fossem faturadas e pagas dentro da quinzena de veiculação. Essa medida protegia parcialmente a receita da venda de anúncios, esses impossibilitados de correção monetária na mesma velocidade da inflação. Outro benefício ao financiar as pesquisas de audiência era combater a “mentiragem” (informar número de cópias publicadas sem comprovação). Alguns anunciantes exigiam as auditorias realizadas pelo IVC (Instituto Verificador de Circulação), criado em 1961. Essa mecânica passou a ser adotada pelos demais meios de comunicação a partir da década de 1970 também com muito sucesso. Esses planos de incentivo e auditorias formam a base do que mais tarde fundamentou as primeiras discussões sobre mídia técnica ou política. Aparentemente controverso, o tema permite, sim, a partir de conceitos técnicos, uma abordagem com visão de mercado e que deveria prevalecer sobre outras perspectivas casuísticas ou pessoais. Regras da Secom (Secretaria de Comunicação do Governo Federal) para veiculação de anúncios das estatais no segmento de televisão, por exemplo, determinam uma distribuição entre as diversas emissoras e redes com critérios fixados a partir de uma média de participação no bolo de audiência, sem ponderar segundo a qualificação para determinado segmento de produto ou serviço. Na iniciativa privada, sem o engessamento estatal, anunciantes estão livres para seguir estudos técnicos que somam a audiência bruta total ou em targets específicos e multiplicam pelo volume de inserções. Frequentemente esses estudos acabam por alterar os percentuais de distribuição de verbas, conferindo às empresas privadas mais eficiência e maior competitividade. Essa é a condição que limita a atuação de um banco estatal que concorre no mercado com bancos privados em desvantagem significativa.

Com o intuito de aprimorar ainda mais as boas práticas de mercado, a APP propõe a realização de um amplo debate de esclarecimento dos processos de elaboração e execução de planos de comunicação. Profissionais de todos os segmentos seriam indicados para apresentação de análises desapaixonadas e lastreadas na realidade de mercado. Esse painel permitiria avançar ainda mais na consolidação de nosso setor, hoje reconhecido mundialmente por sua qualidade, criatividade e eficiência para o desenvolvimento de negócios sustentáveis e éticos.

Enio Vergeiro é publicitário e presidente da APP (enio@qaemail.com)