Há alguns anos, para planejar um negócio bastava identificar a carência do mercado, definir o produto ou o serviço, bem como o segmento de atuação, identificar o público-alvo e fazer a gestão do capital. Há cerca de vinte anos, dois outros temas começaram a sobressaltar na agenda das grandes empresas (seguidos depois por muitas outras companhias), a gestão de pessoas e a gestão de marcas.  Muito embora a primeira seja de suma importância e até parte importante para a execução do segundo, é sobre o branding que me debruço neste artigo.

Nesses vinte anos, toda a teoria estabelecida no que tange o estudo da marca visa compreender os seus ativos, que vão desde o nome, o logo e o slogan, até seu universo visual e verbal, resvalando na análise das formas, tipografia, iconografia, cores, rituais, gestos, cheiro, som, tom de voz, território de palavras e identidade fotográfica. Nesse percurso, estabeleceram-se também aspectos que formam sua natureza, se corporativa, validada (endorsed) ou individualizada (branded), entre outras análises técnicas.

Nesse meio tempo, contudo, surgiram os meios digitais, propulsores de novas experiências, criando um universo proprietário, por se conectar de modo totalmente diferente aos usuers experiences, mitigando o físico com o virtual ou não necessariamente.  É exatamente nesse ponto que visualizo que as marcas passaram a ter um papel crucial nas interações humanas e, com isso, foram “humanizadas” também, para que, em patamar de igualdade, passagem a expressar sua personalidade, seu estilo de vida, seu dever, papel e impacto sociais.

A análise que se coloca, consequentemente, é como semear, educar e fazer vigorar os elementos necessários para que, como agente ativo na relação de consumo, a marca se adéque de maneira consciente, responsável e ética? Além disso, como saber se frente à era do hiperconsumo há espaço para esse plantio?

Diante dessa constatação, percebo que não há mais espaço para as marcas instaurarem ou perpetuarem ações desarrazoadas, desconexas à atual ordem econômica, social e funcional da sociedade. Como bem ilustra Eduardo Tomiya, diretor da Kantar Vermeer, empresa especialista em análise de dados e insights de marcas, quando associam o trabalho de branding a um iceberg. Na parte externa, visível à superfície pelo mercado e consumidores, estão os logotipos, as embalagens, os nomes, os produtos ou os serviços, ou seja, tudo aquilo que é mais palpável; e na outra parte, submersa, um corpo estruturalmente grande, construído por processos internos, equipes, stakeholders, etc., sustentando e dando vazão às promessas que dão subsistência à marca.

Todavia, muito embora essa estrutura esteja abaixo da linha do mar, não significa dizer que está escondida. A partir do advento tecnológico das redes sociais, as águas que hoje circundam esse iceberg são muito mais transparentes e exigem, portanto, uma atualização de toda a teoria e técnica, colocando em pauta e discutindo esse novo papel das marcas na sociedade, tornando possível mapear e redescobrir a essência e o respeito dessas perspectivas em seu fulcro.

Desse modo, qualquer empresa que já atua ou almeja iniciar uma trajetória de sucesso no mercado, não pode mais abrir mão do fator “marca”. Ela alicerça, consolida, intensifica, posiciona, comunica e fortalece os valores de qualquer atividade econômica. Nenhuma área, departamento, função, estrutura física ou virtual consegue sobreviver sem o seu respaldo.

Por mais que um dos primeiros passos técnicos para instaurá-la no mercado seja o Branding Road (projeto minucioso e que estabelece todo o planejamento estratégico da marca, desde estudar o comportamento do consumidor e da concorrência, até se aprofundar no mercado atuante, incluindo o consumidor em potencial), não se pode mais vedar os aspectos primários que nortearão toda a tecnicidade para a concepção do nome, do logotipo, do layout para os pontos de venda, do site e do comportamento nas redes sociais.  Ou seja, se essa conscientização, quanto ao seu impacto e responsabilidade social, ainda não é um balizador inerente ou pré-existente, precisa ser imediatamente inserida.  Só assim, a empresa poderá dar sequência no trabalho de branding que almeja, criando os comitês responsáveis pela sua implantação, via de regra com o acionamento da área de Recursos Humanos, sendo ela responsável por transmitir os atributos da marca aos funcionários da própria companhia e estes para o mercado.

A avaliação e o monitoramento da reciprocidade dos colaboradores e consumidores perante o novo posicionamento da marca determinarão possíveis mudanças de caminho ou mesmo necessidade de restruturação, sendo totalmente plausível a possibilidade de ajustes e correção. Afinal, são três complexidades que se colocam frente a frente: a gestão do branding em si (formulação, preparo de processos, cultura, instauração etc.); a sua relação e comunicação com o mundo (disseminação); e, diante de seu novo papel “humanizado”, as diferentes reações inerentes a qualquer relação humana e suscetíveis a fatores externos (crise, desemprego, mudança de hábito etc.) e internos (mais subjetivos: emocionais, sensoriais, comportamentais etc.).

Uma marca com um forte trabalho de branding, que percebe esses nuances, consegue de maneira muito rápida se compatibilizar à nova realidade de seu consumidor, ou seja, pensa, instantaneamente, em alternativas para que sua relação permaneça inabalável com seu cliente. Esse consumidor, por exemplo, muito embora esteja em situação financeira complicada (dada a crise, por exemplo), manterá o respeito e a admiração pela marca e fará a compra, por dois fatores cruciais: a plena relação de confiança que tem com ela e por não ter sobras em seus recursos financeiros que lhe permita errar no momento da compra, pois o pouco investimento que tem precisa ser bem alocado.

Em linhas gerais, portanto, reconhecer o atual papel da marca, estudar o impacto social que reverberam e decodificar as relações humanas são os mecanismos-chave para posicionar a empresa de forma estratégica, forte e transparente. O mercado, os consumidores e toda a sociedade necessitam e buscam relações positivas, cidadãs e éticas. Possuir propósitos bem definidos, claros e precisos, faz com que a marca não sofra resistência e tenha um verdadeiro Branding Awerness, sem criar margem nem para o hiperconsumo e nem para atitudes não se enquadram em seu novo e humano papel.

Luis Henrique Stockler  é sócio-presidente da ba}STOCKLER