Já é Natal. Pelo menos nos shoppings. Aqui no Rio já estamos finalizando a árvore da Lagoa, antes Bradesco, agora, Petrobras. E por todo canto a figura de Papai Noel, que tem resistido a todos os modismos. Sua história remonta ao século IV e, por incrível que pareça, sua origem é turca. Sua figura foi inspirada num bispo turco. Dá para acreditar? Pois é isso mesmo. Esse tal bispo, aliás arcebispo de Mira, na Turquia, costumava ajudar anonimamente seus paroquianos em dificuldades. Ele identificava quem precisava de um apoio concreto e, sorrateiramente, colocava um saco com dinheiro junto à chaminé do inadimplente. Nenhum conselho, nenhuma exortação, nenhuma palavra de força espiritual. Ele dava grana. Ouro, moeda.

Depois de sua morte, foi considerado santo e virou São Nicolau. Na ritualística que a santificação exige, há sempre a necessidade de que o candidato tenha produzido milagres. Ou melhor, é necessário que fique provado que através de sua intervenção tenham acontecido fatos sem explicação humana ou científica, uma ação divina. No caso do arcebispo, a burocracia vaticana foi facilitada. Não poderia existir, além da loucura total, outra razão para alguém na calada da noite colocar sacos com dinheiro na chaminé de pessoas em dificuldades. Só mesmo a presença de Deus. Eventualmente com chicote nas mãos. O arcebispo virou santo, São Nicolau, mesmo sem ter feito cego enxergar, aleijado andar e político ser honesto. Sua cota de milagres foi preenchida pelas suas ações terrenas. Pois bem, São Nicolau virou símbolo da distribuição de presentes por ocasião do Natal. Era representado como bispo, com trajes típicos de sua ordem religiosa, magro, sério, algumas vezes com uma áurea e acompanhado de uma rena.

Era mais ou menos assim que São Nicolau viveu e povoou os sonhos de muitas crianças que esperavam presentes de Natal. Até que em 1886 um cartunista americano chamado Thomas Nast deu uma remandiolada na figura clerical de Papai Noel e lhe vestiu com uma roupa vermelha e lhe decorou com farta barba branca, para ilustrar a capa da revista Harper’s Weeklys, da qual era o diretor de arte. Os americanos assumiram esse visual como padrão durante décadas. Mas não havia toda a lenda formada, embora em alguns casos já aparecessem outros elementos até hoje incorporados ao personagem, como o trenó e as renas. Em 1931, a Coca-Cola adotou o Papai Noel como propriedade sua e os artistas das agências que trabalhavam para a marca finalizaram a figura de uma das entidades mais conhecidas do mundo. Papai Noel ficou rechonchudo, risonho, barbudo e o trenó e as renas entraram para seu universo.

Centenas de anúncios de Coca-Cola serviram para definir com exatidão como era a figura do bom velhinho. Ao mesmo tempo os estúdios Disney e outros criadores de cinema de animação foram montando todo seu universo. Utilizando parte de lendas preexistentes e inventando outras, centenas de criadores construíram a história de Noel. Com o tempo ele se fixou na Lapônia e se transformou em proprietário de imensa fábrica de brinquedos destinados aos meninos que foram obedientes durante o ano. Seu trenó teve leiaute estabelecido e as renas traços padrões.

Entre as renas uma se destacou e hoje é marca com ações na bolsa: Rudolph do Nariz Vermelho, a nona rena de Papai Noel, com um nariz que produz uma luz tão forte que ilumina o caminho das outras no longo percurso da Lapônia até nossas casas. Rudolph é propriedade da The Rudolph Company L.P. e o uso de sua imagem protegido por lei. Todo ano os jornais abrem espaço para uma longa discussão sobre a influência benéfica ou não da lenda nas cabecinhas das crianças. Desde que me entendo por gente, nunca tinha tido uma resposta definitiva. Não perdi por esperar. Gregório Duvivier, entrevistado sobre o assunto, acabou com a discussão. Ele disse: “Se Papai Noel não existe, o que existe?”

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)