O Facebook anunciou no dia 30 de abril que fará um teste no Canadá para avaliar o impacto de mudanças estruturais na apresentação de informações no newsfeed. Se aprovado passaremos a navegar consumindo conteúdo sem saber o número de curtidas de cada post – ou a popularidade desse conteúdo. A preocupação seria permitir às pessoas uma navegação mais livre do consumo de conteúdo pela sua popularidade.

O ponto aqui é o seguinte: nem as pessoas vão parar de postar pensando em construir popularidade nem as pessoas vão deixar de consumir conteúdo também com base na popularidade. Explico isso desenvolvendo três pontos: o consumo de conteúdo, a popularidade do emissor e a recompensa social.

Ponto 1 – Como seria o consumo de conteúdo sem saber o número de likes?

A mudança é enorme. A medida de popularidade nos dá uma noção do nível de endosso social do conteúdo e do seu emissor. Isso facilita a decisão do que vale ser visto, é um auxílio ao algoritmo. O número de likes é uma proxy da curadoria do crowd. Como escolher o que vale / não vale ser visto sem isso? Só a experiência vai dizer, mas o ser humano busca outros atalhos e sinais, pois ele precisa simplificar seu processo de decisão. Sabe aquilo de “em loja vazia não se entra”? Post sem curtidas não se lê. Creio que a princípio as pessoas podem se ater ao conhecido (“fulano posta coisas que eu gosto”), mas elas também buscarão outras medidas, como a quantidade de comentários e eventuais sinais novos trazidos pelo Instagram. No escuro é que não ficaremos.

Implicação 2 – Como perceberemos a popularidade do emissor, esse ser que posta?

Nós balizamos o valor social do outro nas redes sociais por muitos critérios. Um deles é a natureza do conteúdo, cuja percepção de qualidade ao longo do tempo nos leva a categorizar as pessoas. Por exemplo, sujeito inteligente, radical, oportunista, engraçado, confiável, “como eu”. Outro critério é a percepção de popularidade do conteúdo, o que ao longo do tempo nos leva a outro tipo de categorização, relacionada à popularidade. Conteúdo e popularidade se interrelacionam na construção de imagens e marcas pessoais.

Medidas de visibilidade social são cruciais para a formação de imagens, sejam elas quantitativas (número de seguidores ou curtidas por conteúdo ao longo do tempo) ou qualitativas (quem ele é, com que trabalha, que posição ocupa, no que é especialista).
A proposta do Facebook vai levar a uma maior importância da qualidade do conteúdo na formação de imagens, em detrimento das medidas de popularidade mais imediatas – os likes.

Implicação 3 – Como fica a recompensa social?

A psicologia social (e muitas outras áreas do conhecimento) nos ensina que dinâmicas de grupo passam pela comparação social. Quem posta infere se seu conteúdo vai bem ou não em comparação com sua própria base e com a base de alguns pares significativos. A primeira informação quem posta continuará a ter, mas a segunda não. Isso implica que não mais satisfaremos a nossa curiosidade sobre a popularidade alheia. Essa ausência não termina com a decisão do Facebook. Na verdade nossa curiosidade sobre a popularidade alheia aumentará na ausência de dicas fáceis como o número de likes. Eu jamais desmereceria o poder da inveja no hábito de navegação. É aqui que reside minha maior curiosidade nessa mudança. Na minha opinião, as pessoas vão continuar a experienciar parte desse traço tão humano de outras formas, por exemplo, inferindo popularidade pelo número de comentários ou pelo número de seguidores. Mas, não é a mesma coisa.

Vem aí o maior problema: as pessoas postam para se relacionar, expressar, construir seu capital social, mas também, para obter a satisfação de uma imagem pública bem reforçada. Sem a dimensão pública do like esse benefício em parte se perde. O Facebook vai tirar de nós essa pequena dose de dor e prazer? E correr o risco de que busquemos sensações semelhantes em outros braços? Desconfio que não. Deve vir algo em nosso socorro, algo que ainda não sabemos.

Trocando em miúdos: essa novidade vai alterar a forma como inferimos e construímos popularidade digital e a forma como nos sentimos sobre nosso próprio conteúdo. Mas deve vir junto novidade por aí.

Benjamin Rosenthal é professor de Marketing na FGV EAESP