Faz alguns anos, uma marca de lingerie estreou no Brasil com um anúncio, cujo título dizia: O primeiro sutiã… ih, esqueci. Ofendidíssimo, Washington Olivetto publicou uma resposta, acusando a concorrente multinacional da Valisère de desrespeito com o que ele chamou, se não me falha a memória, de uma referência na cultura brasileira.

Se não foi exatamente isso, a acusação teve um grau parecido de gravidade. Lembro que reagi em defesa do redator Alan Strozemberg, criador do título que causara tanta polêmica, escrevendo que a ideia era muito boa e, ainda, critiquei a tentativa de Olivetto de elevar a propaganda à categoria do “sagrado”. Mas o fato é que o protesto fez efeito e a marca sumiu. Curiosamente, bons anos antes, o próprio W, ainda na DPZ, levara umas vassouradas em anúncio assinado por Duda Mendonça por ter usado a figura de Mãe Menininha do Gantois em campanha da Olivetti para o Dia das Mães. Nas peças, o apelo era uma coisa assim Se você ganhar uma Olivetti do seu filho, você é uma verdadeira mãe de santo.

A alegação para a crítica era bem parecida com a utilizada em defesa do “Primeiro sutiã”. Algo como “isso não é coisa que se faça com a fé de um povo”. Enfim, num negócio em permanente busca de evidência, excessos ocorrem e estão sujeitos às buscas de evidência das partes contrariadas. Mas se um dia eu estive na posição de defender a liberdade da concorrência de debochar do “Primeiro sutiã”, hoje eu quero fazer uma veemente defesa do trabalho da Camila Franco, da Rose Ferraz, do Washington Olivetto e do Julinho Xavier da Silveira. O que esse pessoal da produtora Madre Mia fez com a ideia que norteia o trabalho deles foi, aí sim, um despudorado pecado contra a obra original. Primeiro por chamar de remake uma inspiração subutilizada. É fechar os olhos para o abismo de qualidade que há entre os roteiros e as produções de ambos. Não dá, portanto, sequer para qualificar de homenagem, que, aliás, seria muito bem-vinda desde que respeitasse minimamente o requinte da obra original.

Confesso que na primeira vez em que me inteirei do assunto, achei que se tratasse de uma iniciativa da Valisère, talvez sugerida pela agência ou pelo próprio Washington. Ainda que julgue uma tremenda ousadia, admito que um remake do “Primeiro sutiã” utilizando uma garota trans carrega um espetacular senso de oportunidade, coisa em que Olivetto sempre foi mestre. Mas não! Não era alguma coisa referente à propaganda que eu aprendi a admirar e a fazer com mestres como ele e os DPZ. Não se tratava de oportunidade criativa, apenas de oportunismo de mau gosto.

Na medida em que me aprofundei no assunto, fui percebendo uma mistura de constrangimento e indignação sobre o assunto nas pessoas a quem respeito. Houve quem tentasse, equivocadamente, atrelar o próprio Washington ao caso. Claro que não! Cavalheiro que é, provavelmente nem irá queixar-se. Aliás, o comportamento das criativas e do diretor de cena do “Primeiro sutiã” tem sido de uma elegância comovente. Mas e a causa LGBT? É nobre e merecedora, sim, de iniciativas e atitudes em sua proteção. De preferência que causem orgulho.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)