Era uma vez uma empresa aérea de um país da América Latina da qual, por diversos motivos, estive muito próximo. Não existe mais a tal empresa que ostentava orgulhosamente o nome de seu país. Era, para todos os efeitos, “empresa de bandeira”.

E tinha outra característica: uma deslavada e definitiva esculhambação. Suas rotas internacionais se resumiam num voo para Miami e outro para Madri, duas vezes por semana, realizados por uma frota de três Boeings 007 que já tinham sido de tudo, de transporte de gado a avião de reabastecimento em força aérea de país de Terceiro Mundo.

Os horários eram uma obra de ficção e os voos eram realizados quando fossem possíveis, se houvesse jeito. O serviço de bordo era tão ruim que a tripulação trazia a própria comida. O uísque tão falsificado que na segunda dose você ouvia os acordes de Índia, ainda que a empresa não fosse paraguaia. Diziam que era a própria empresa que falsificava as bebidas, o que não era difícil de acreditar.

Pois bem, um dia a tal empresa conseguiu alugar dois moderníssimos widebodies de terceira mão e pôde, finalmente, entrar na era do jumbo, ainda que as aeronaves não fossem de nenhum modelo top de linha, pelo contrário. Eram aviões tomados de volta pelas companhias de leasing de empresas aéreas africanas inadimplentes. Mas eram grandes.

A agência de propaganda multinacional que tinha a conta foi chamada para anunciar os novos voos. Por algum motivo que eu não consegui entender, os voos passaram a ser diurnos, ao contrário dos anteriores, que saiam mais ou menos entre nove e 11 da noite, a não ser que houvesse algum imprevisto.

A agência juntou os dois fatos: o tamanho dos aviões e o voo ser feito durante o dia e criou um slogan relembrando essas características:

Vuele ancho conel sol, que numa tradução mambembe podia ser: “voe folgado com o sol”. Simples, direto, convincente, se é que alguém ainda acreditasse na empresa. Ocorre que a alegria durou muito pouco.

Fiel à sua tradição, a companhia não pagou os aluguéis e os aviões tiveram de ser devolvidos, juntamente com a tripulação técnica, formada por mercenários ingleses que viviam na Índia e (dizia-se), na maioria das vezes, voava de porre. Eu não acredito, pois velhos pilotos sabem a hora de parar de beber. Pelo menos três horas antes de pegar no manche.

Os antigos 007, que por sorte ainda estavam no hangar, aguardando compradores, levaram uma guaribada, inclusive com algumas peças afanadas da frota alugada, e voltaram à ativa. Piores do que antes. E voltaram a voar somente à noite, pois, para poderem levantar voo novamente, a antiga frota de três aviões se transformou em dois, pela canibalização do que não deu para colar com cola-tudo ou amarrar com arame.

Consequentemente não dava mais para se dar ao luxo de garantir que os voos seriam exclusivamente diurnos. Ou seja: nem assim nem “ancho” nem “conel sol”. Séria e consciente, a agência criou uma nova campanha que dizia Buena Noche…e Hasta Miami!. E levou para os diretores da aerolinha.

O cliente agradeceu a iniciativa, elogiou a proatividade, mas resolveu deixar como estava. Só por causa de dois detalhes: para que gastar dinheiro produzindo uma nova campanha? E ficou por isso mesmo até que um dos aviões perdeu o trem de pouso e nunca mais voou. Antes que a empresa resolvesse colocar na linha para Miami um Avro, faliu. Son sólo recuerdos. Viejos tiempos.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)

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